quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

DA SERIEDADE DO OFÍCIO


“A receita, por exemplo, para que um individuo possa vir a ser bom novelista, é fácil de dar, mas a sua aplicação pressupõe qualidades, de que se costuma não fazer caso, quando se diz: ‘Eu não tenho talento bastante’. Faça-se cem ou mais projectos de novelas, nenhum com mais de duas páginas, contudo de uma clareza tal que, neles, cada palavra seja indispensável; redija-se anedotas, diariamente, até se aprender a achar a sua forma mais expressiva, mais eficaz; seja-se incansável a recolher e descrever tipos e caracteres humanos; sobretudo, conte-se tão frequentemente quanto for possível e oiça-se contar, com olhos e ouvidos atentos ao efeito produzido junto das outras pessoas presentes; viaje-se como um pintor paisagista e como um desenhador de modas; extraia-se de cada uma das ciências tudo aquilo que faz efeitos artísticos, se for bem apresentado; por fim, medite-se sobre o motivo das acções humanas, não se desdenhe nenhum indício instrutivo a esse respeito e seja-se, de dia e de noite um tal colecionador de tais coisas. Neste múltiplo exercício, deixe-se passar uns dez anos: mas aquilo, que for então criado na oficina, também poderá sair à luz da rua.”

Friedrich Nietzsche, Humano, Demasiado Humano

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