segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Um livro precioso


Quase sem aviso, ela mergulhou nas trevas, de mão dada com ele, num sono que não era sono, antes uma luz límpida e crepuscular num pequeno bosque verde, um bosque perigoso e irado cheio de vozes inumanas e ocultas que cantavam, esganiçadas, como o sibilar de flechas, e viu Adam trespassado por uma revoada destas flechas cantantes que o atingiam no coração e passaram, estridentes, a rasgarem o seu caminho através das folhas. Adam tombou para trás diante dos olhos dela, mas logo se tornou a erguer, ileso e vivo; uma outra revoada de flechas disparada pelo arco invisível tornou a atingi-lo, e ele caiu,e, contudo, ei-lo logo diante dela, ileso, numa perpétua morte e ressurreição. Ela lançou-se para a frente dele, cheia de fúria e de egoísmo interpôs-se entre ele e a trajectória da flecha, gritando: Não, não – dir-se-ia uma criança enganada numa brincadeira –, agora é a minha vez, porque é que tens de ser sempre tu a morrer? e as flechas trespassaram-lhe o coração de lado a lado e trespassaram também o corpo dele, e ele caiu morto, e ela sobreviveu, e o bosque assobiava e cantava e bramia, cada ramo, cada folha, cada haste de erva tinha a sua própria voz acusadora. Ela desatou a correr então, e Adam agarrou-a no meio do quarto, em plena corrida, e disse-lhe: – Querida, devo ter adormecido também. O que é que aconteceu para dares gritos tão horríveis?


Depois de ele a ajudar a instalar-se de novo na cama, ela sentou-se com os joelhos flectidos sob o queixo, de cabeça apoiada nos braços cruzados, e começou a procurar cuidadosamente as palavras, porque era importante explicar as coisas com muita clareza. – Foi um sonho muito esquisito, não sei porque é que acabou por me assustar assim. Havia qualquer coisa relacionada com um voto de amor antiquado. Eram dois corações gravados na casca de uma árvore, trespassados pela mesma flecha… sabes como é, Adam…

Sem comentários: