sábado, 24 de outubro de 2015

mais um Bildungsroman



De repente ele notou – e era como se fosse pela primeira vez – quanto o céu ficava longe.
Foi como um sobressalto. Exactamente por cima dele reluzia entre as nuvens uma nesga de azul, indizivelmente profunda.
(…)
– O infinito! – Törless conhecia o termo das aulas de matemática. Jamais imaginara algo de especial a esse respeito. O termo voltava sempre: algo que alguém um dia inventara e desde então fora possível fazer cálculos com ele, tão precisamente como com qualquer coisa sólida. Era exactamente o que valia no cálculo; e Törless jamais fizera alguma tentativa de entendê-lo para além disso.
Agora, porém, varava-o como um raio a compreensão de que essa palavra continha algo terrivelmente inquietante. Parecia-lhe um conceito domesticado, com que fizera diariamente pequenas artes, mas que de repente se libertara. Algo que ultrapassava o entendimento, algo selvagem, aniquilador, adormecido pelo trabalho de algum inventor e que de repente despertara e se tornara novamente terrível. Ali, naquele céu, isso achava-se agora por cima dele, vivo e ameaçador, zombando sinistramente dele.
(…)
Törless ficou dominado pelo anseio louco de ver duplamente todas as coisas, pessoas e factos. Como se se prendesse, de um lado, à palavra inocente e esclarecedora fornecida por um inventor qualquer; e do outro lado, fossem muito estranhas, ameaçando libertar-se a qualquer momento.
(…)
A matemática deve estar certa; mas o que há com a minha cabeça e tudo o resto? Os outros não sentem isso? Como é que essas coisas acontecem dentro deles? Não acontece nada?

Os chamados romances de formação encontram sempre um eco interior em mim. Às vezes, penso que tive uma adolescência demasiado saudável, sob o signo do riso e do haxixe. As angústias existenciais que então me faltaram, sobram hoje. E são poucos os adultos disponíveis para pensar o sentido da vida, ou das palavras, tão somente. Marchar, marchar sempre! Talvez por isso, fosse o narrador um pouquinho menos interventivo e «sábio», e acho que teria gostado mais deste romance.

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