sábado, 27 de fevereiro de 2016

Rimbaud, meu amor


Os anos passam. Mais de duas décadas a ler-te e, embora me continue a acercar das tuas palavras com o mesmo sentimento de solenidade profana, parece-me que a cada novo encontro adivinho um pouco mais do teu mistério.

UMA CERVEJA NO INFERNO

Outrora, se estou bem lembrado, a minha vida era um festim em que todos os corações se abriam, em que todos os corações se abriam, em que todos os vinhos cintilavam.
Uma noite, sentei a Beleza nos meus joelhos. – E vi que era amarga. – E injuriei-a.
Armei-me contra a justiça.
Fugi. Ó feiticeiras, ó miséria, ó ódio, foste vós a guarda do meu tesoiro!
Consegui destruir em mim toda a esperança. Contra toda a alegria lancei o bote cego da besta feroz. Estranguladas!
            E chamei os carrascos para morder, na agonia, a coronha dos fuzis. Conjurei as pragas para sufocar na areia, mergulhar em sangue. O infortúnio foi o meu deus. Estiracei-me na lama. Sequei ao ar do crime. E preguei boas peças à loucura.
            E a primavera trouxe-me a terrível risada do idiota.
            Ora, ultimamente, prestes a lançar à cara do planeta o derradeiro estalo, lembrei-me de ir buscar a chave do festim (talvez me regressasse o antigo apetite?).
            Caridade – é a chave. Uma inspiração destas prova que sonhei!
            «Permanecerás hiena, etc…», ruge o demónio que me coroava de tão amáveis papoilas. «Morre feliz ao lado dos teus apetites, com todo o teu egoísmo, com todos os melhores pecados capitais.»

            Ah! tomei tanto disso… – Mas, meu caro Satã, não carregueis tanto o sobrolho! e enquanto esperais ainda uma que outra miséria vinda atrasada por motivo de obras, vós, que apreciais no escritor a mais selecta ausência de faculdades descritivas ou pedagógicas, aqui tendes para já, especialmente arrancadas, estas odiosas folhas do meu canhenho diário de danado.

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