sábado, 18 de junho de 2016

Alguém pergunta o que é o amor. Diremos:



«A mãe, vestida de azul, estava terrivelmente angustiada.  Esperava um sinal do jardim e o caminho não estava livre. Ninguém poderia entrar enquanto o seu marido estivesse em casa. Ah, este maridos, este homem de quarenta e um anos e já calvo! Que mau pensamento o teria posto tão pálido nessa tarde, deixando-o pregado na cadeira, imóvel, inflexível e com o olhar fixo no jornal?
Ela não tinha um minuto de descanso, eram onze horas. As crianças já estavam na cama há muito tempo, mas o marido não se ia embora. O que aconteceria se o sinal soasse, se a porta se abrisse graças àquela chavinha e os dois homens se encontrassem, face a face, olhos nos olhos? Não ousava prosseguir o seu pensamento.
Franca pôs-se no canto mais escuro da sala, torceu as mãos e finalmente disse:
– São onze horas. Se tens de ir ao clube, é melhor ires já.
Ele levantou-se de imediato, lívido, e abandonou a sala, e depois a casa.
No jardim, parou e ouviu um apito, um breve sinal. Depois, passos na gravilha, uma chave na fechadura e duas sombras projectam-se nas cortinas da sala.
Conhecia bem o sinal, os passos e as duas sombras na cortina. Não era nada de novo.
Seguiu para o clube. Estava aberto, havia luz nas janelas, mas não entrou. Durante dois quartos de hora andou para cima e para baixo pelas ruas e depois, em frente ao jardim, durante dois intermináveis quartos de hora. «Esperemos mais um quarto de hora», pensou e prolongou-os de mais dois. Depois entrou no jardim, subiu as escadas e tocou à porta.
Veio a criada e abriu, pôs a cabeça de fora e disse:
– A senhora já está…  – Subitamente calou-se, ao ver com quem estava a falar.
– … já está deitada. Está bem. Quer dizer à senhora que o seu marido chegou a casa?
A rapariga partiu. Bateu à porta do quarto da senhora e transmitiu a ordem através da porta fechada:
– Venho dizer que o senhor chegou.
A senhora pergunta de dentro:
– O que diz, o senhor chegou? Da parte de quem o diz?
– Da parte do senhor, está em casa.
Ouve-se então um lamento desesperado dentro do quarto, uma conversa apressada, em voz baixa, uma porta que se aberta e que se fecha. Depois tudo fica tranquilo.
O senhor entra, a senhora vai ao seu encontro, com a morte no coração.
– O clube estava fechado  – diz ele rapidamente, com compaixão e piedade.  – Mandei a criada para não te meter medo.
Ela cai numa cadeira, aliviada. O seu bom coração extravasa e pergunta ao marido como está de saúde:
– Estás muito pálido. Aconteceu-te alguma coisa? O teu rosto está muito alterado.
– Não, estou a sorrir. A partir de hoje, será a minha maneira de sorrir. Quero que esta careta seja o meu sorriso.
Ela ouve estas breves, roucas palavras e não o compreende. O que pretende ele dizer?
Mas, subitamente, ele abraça-a com uma força terrível e murmura-lhe ao ouvido:
– E se lhe puséssemos os cornos, a ele, que já saiu.. se lhe puséssemos os cornos?
Ela dá um grito e chama a criada. Ele deixa-a com um sorriso calmo e seco, abrindo muito a boca e batendo com as mãos nos joelhos.
De manhã, o coração da senhora prevalece de novo e diz ao marido:
– Ontem à noite, tiveste um comportamento estranho. Já passou, mas ainda estás pálido.

­ – Sim  – responde ele, – é cansativo ter graça na minha idade! Nunca mais o farei.»

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