Não resisto a partilhar este
excerto delicioso. É que se poucos livros me fizeram chorar, menos são os que
me fizeram rir.
“O que eu podia fazer com as mulheres além de foder? Quando era
cultas, simplesmente me enojavam. Não sei se alguns de vocês já foderam com
mulher culta ou coisa que o valha.
(…) Claro que nem todas as soi-disant cultas são assim tão chatas. Tive
as cultas refinadas e originais também. Mas que mão de obra, meu pai! Uma delas
é inesquecível. Josete. Inesquecível por vários motivos. Mas principalmente
pelo gosto exótico na comida e no sexo. Ela adorava tordos com aspargos. E pastelões
de ostras.
(…) Depois de Josete ter gozado umas dez vezes entre sabiás e musses e
álcoois dos mais finos que me custavam um caralhão de dinheiro, levantava-se
garbosa. Espártaco antes da derrocada final, naturalmente. Eu ia atrás meio
cego mas ainda sedento. Um tal de Ezra Pound, poeta norte-americano, era o xodó
de Josete. Ô cara repelente. Um engodo. Invenção de letrados pedantescos. No primeiro
dia que ela citou o tal poeta eu lhe disse:
meu tio Vlad quando eu era molequinho, tinha crises de loucura quando
ouvia esse aí falando numa rádio italiana. O cara era um bom fascistoide, você
sabia?
Bobagens, Crassinho, o homem foi um génio.
Para agradá-la, pedi que me emprestasse algum livro dele. Emprestou Do
Caos à Ordem, cantar XV. Aquilo era uma pústula, uma privada de estação em
Cururu Mirim. Senão, vejam:
“O eminente escabroso olho do cu cagando moscas.
Retumbando com imperialismo
Urinol último, estrumeira, charco de mijo sem cloaca,
……….. o preservativo cheio de baratas,
Tatuagens em volta do ânus
E um círculo de damas jogadoras de golfe em roda dele.”
Josete adorava (…)
Pois gosto tanto, amor, que vou te mostrar a que ponto vai minha
reverência por esse autor admirável
Abatido, já me imaginei desperdiçando aquelas horas a folhear
idiotias, ainda mais em ingês. Estávamos no apartamento de Josete. Pensei: é
agora que ela vai se levantar e esparramar os livros do nojento aqui na cama. E
adeus mesmo, vou inventar uma súbita náusea e me mando. Surprise! Ah, como a vida me encheu de surpresas! Josete deitou-se
de bruços e ordenou lacónica:
Pegue aquela grande lupa lá minha mesinha.
Lupa?
Lupa, sim, Crassinho.
Então peguei.
Faz um favor, benzinho, abra o meu cu.
Como?
Oh, Crassinho, como você está ralenti esta noite.
E o que eu faço com a lupa?
A lupa é pra você olhar ao redor dele.
Ao redor do seu cú, Josete?
Evidente, Crassinho.
Foi espantoso. Ao redor do buraco de Josete, tatuadas com infinito
esmero e extrema competência estavam três damas com seus lindos vestidos de
babados. Uma delas tinha na cabeça um fino chapéu de florzinhas e rendas.
Não acredito no que estou vendo, Josete, você tatuou à volta do seu cu
para quê?
Homenagem a Pound, Crassinho.
Mas isso deve ter doído um bocado!
The courageous violent slashing
themselves with knifes (que quer dizer: os violentos corajosos cortando-se
com facas. Continuação do Canto XV.) coma meu cuzinho, coma meu bem, andiamo, andiamo (cacoetes de Pound). Aí achei o cúmulo. “Jamais, meu amor,
machucaria essas lindas damas”. Josete começou a chorar.
Ó Crasso, você é o primeiro homem a quem eu mostro esse mimo, essa
delicadeza, essa terna homenagem ao meu poeta, andiamo, andaimo in the greta
scabrous arsehole (no grande escabroso olho do cu).
Aí pensei: essa maldita louca vai começar a choramingar mais alto e o
prédio inteiro vai ouvir. Enchi-me de coragem e estraçalhei-lhe o rabo com
inglesas ou americanas (who knows?) e
babados e o chapéu, não naturalmente sem antes lhe tapar a boca, porque tinha
certeza que ela ia zurrar como um asno. Zurrou abafada, mas eu podia discernir
algumas palavras. Ela zurrava: ó (leia-se aou, aou, aou, aou. entoação inglesa)
Aou Ezra, aou my beloved Ezra!
Hilda Hilst, Contos D'Escárnio / Textos Grotescos