segunda-feira, 29 de setembro de 2014
não consigo sossegar e a menina Else não ajuda
"Acho que não me posso apaixonar. O que, por acaso. até é curioso. Porque eu sou sensível. Mas também animosa e desagradável, graças a Deus."
"Um pouco de carinho quando se está bonita, um pouco de atenção quando se tem febre, e mandam-nos para a escola, e em casa aprende-se piano e francês, e no Verão vamos para o campo e quando se faz anos recebe-se presentes e à mesa falam sobre tudo e mais alguma coisa. Mas o que se passa dentro de mim e o que dentro de mim se revolve e tem medo, já se preocuparam com isso?"
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
domingo, 7 de setembro de 2014
Mulherzinhas
Constatei recentemente que me comporto com
os livros como uma mulherzinha. Um de cada vez, nada de promiscuidades.
A relação exclusiva intrigou-me. Nunca fiz
da fidelidade estandarte e confesso, sem qualquer orgulho ou pudor, que
atraiçoei várias ideias e amantes apenas pelo doloroso prazer de trair (quem
precisar de instruções neste prazer, procure-os n’ A Insustentável Leveza do Ser e preste redobrada atenção à
personagem Sabina).
Porquê então um só livro de cada vez à
cabeceira? Por que razão quando um livro me aborrece jamais o troco
temporariamente por outro? A este propósito recordo a leitura difícil d’A Educação Sentimental do Flaubert, uma
leitura carregada de tédio, como convinha ao tema, que suportei estoicamente.
No final, a teimosia foi recompensada e o livro tornou-se um dos meus
favoritos. A monogamia é assim: às vezes compensa, outras não.
Iniciei Anna
Karénina, ocupada por estes pensamentos. Embora desejasse consumar a
leitura para poder ter um veredicto estético, a beatice do Tolstoi aborrecia-me
profundamente. Além disso, noite após noite via gorada a minha expectativa de
encontro com a Karénina, incapaz de lhe sentir a carne, propositadamente
mantida à distância pelo pince-nez do
narrador. Estavam portanto reunidas as condições ideais para que a putaria
começasse.
E começaram assim que as reflexões agrárias
de Lévin me arrefeceram. Ansiosa, corri novamente para os braços de Salinger, contente
por encontrar em Franny e Zooey ar
puro e um velho problema conhecido: como viver bem com uma inteligência
cortante? Desta feita, ao contrário do que sucedeu com Hamlet e com toda uma
galeria de personagens desfeitos pelo pensamento, voltei com uma resposta, que
não o corriqueiro binómio anestesia/entretenimento.
Depois do breve affair com a família mais interessante do mundo, a família Glass,
regressei às famílias singularmente infelizes de Tolstoi. A comparação entre os
casais Anna-Vronski e Kiti-Lévin tornou-se evidente e conseguiu agarrar-me, sobretudo
na parte em que os homens de ambas as parelhas se sentem sufocados com as suas
ligações e as mulheres se exasperam pelo esfriamento. Embora adivinhasse que a
intenção do omnipresente narrador era glorificar um amor mais espiritual e
cristão face a um amor carnal, as suas brilhantes observações e a notável
profundidade das personagens mantiveram o meu desejo morno até ao final da
leitura.
Nabokov não podia estar mais certo quando
escreveu que “muitos têm sentimentos opostos em relação a Tolstoi. Adoram o
artista nele e aborrecem-se com o pregador; mas, de facto, é bastante difícil
separar o Tolstoi pregador do Tolstoi artista – é a mesma voz profunda e
vagarosa, o mesmo ombro robusto a levantar uma multidão de sonhos ou um monte
de ideias. O que queríamos era tirar-lhe o púlpito de debaixo dos pés e depois
trancá-lo numa gruta, numa ilha deserta, com litros de tinta e resmas de papel
– longe das coisas éticas e pedagógicas que lhe distraem o olhar do modo como o
negro caracol cai sobre o pescoço níveo de Anna.”
É o meu caso. Por essa ambivalência, é-me
muito difícil concordar com o mesmo Nabokov, quando este afirma que “Tolstoi é
o maior escritor russo de ficção em prosa” e exclui Dostoievski da lista. Já
disse e repito que para mim Dostoievski é o maior escritor do mundo (reservo-me
o direito de rever este julgamento assim que encontrar uma escrita superior).
Tendo lido Ressureição, Anna Karénina, O Jogador, Crime e Castigo
e Os Irmãos Karamázov não entendo
sequer as razões da comparação. Provavelmente, trata-se de um debate russo que
se internacionalizou, semelhante ao absurdo duelo português Saramago vs. Lobo
Antunes, que não tem ponta por onde se lhe pegue pois trata de dois autores tão
distintos como a água do azeite.
Também a comparação habitual com a Madame
Bovary me parece completamente despropositada, a não ser que se encaixe ambas
como novelas sobre o adultério, o que seria estupidamente redutor. Embora
muitos afirmem que a morte de Emma é um desfecho moral, eu nunca a senti assim.
Para mim a sua morte é uma consequência das leituras românticas, não um castigo
que o autor lhe inflige. Só assim se explica a tinta negra que Emma vomita na
sua última agonia.
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