«Saber se é possível viver sem apelo é tudo o que me
interessa. Não quero sair deste terreno. Se esta face da vida me é dada, como é
que vou ajeitar-me com ela? Ora, perante esta precaução particular, a crença no
absurdo equivale a substituir a qualidade das experiências pela quantidade. Se me
persuado de que esta vida não tem outra face que não seja a do absurdo, se
sinto que todo o seu equilíbrio depende dessa perpétua oposição entre a minha
revolta consciente e a obscuridade onde ela se debate, se admito que a minha
liberdade não tem sentido a não ser em relação ao seu destino limitado, então
devo dizer que o que conta não é viver melhor, mas viver mais.»
«Os deuses tinham condenado Sísifo a empurrar sem descanso um
rochedo até ao cume de uma montanha, de onde a pedra caía de novo, em
consequência do seu peso. Tinham pensado, com alguma razão, que não há castigo
mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.
(…)
Neste, vê-se simplesmente todo o esforço de um corpo tenso,
que se esforça por erguer a enorme pedra, rolá-la e ajudá-la a levar a cabo uma
subida cem vezes recomeçada; vê-se o rosto crispado, a face colada à pedra, o
socorro de um ombro que recebe o choque dessa massa coberta de barro, de um pé
que a escora, os braços que de novo empurram, a segurança bem humana de duas
mãos cheias de terra. No termo desse longo esforço, medido pelo espaço sem céu
e pelo tempo sem profundidade, a finalidade está atingida. Sísifo vê então a
pedra resvalar em poucos instantes para esse mundo inferior, de onde será
preciso trazê-la de novo para os cimos. E desce outra vez à planície.
É durante este regresso, esta pausa, que Sísifo me interessa. Um
rosto que sofre tão perto das pedras já é, ele próprio, pedra! Vejo esse homem
descer outra vez, com um andar pesado mas igual, para o tormento cujo fim nunca
conhecerá. Essa hora, que é como uma respiração e que regressa, com tanta
certeza como a sua desgraça, essa hora é a da consciência. Em cada um desses
instantes em que ele abandona os cumes e se enterra a pouco e pouco nos covis
dos deuses, Sísifo é superior ao seu destino. É mais forte que o seu rochedo.
Se este mito é trágico, é porque o seu herói é consciente. Onde
estaria, com efeito, a sua tortura se a cada passo a esperança de conseguir o
ajudasse? O operário de hoje trabalha todos os dias da sua vida nas mesmas
tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros
momentos em que ele se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses,
impotente e revoltado, conhece toda a extensão da sua miserável condição: é
nela que ele pensa durante a sua descida. A clarividência que devia fazer o seu
tormento consome ao mesmo tempo a sua vitória. Não há destino que não se
transcenda pelo desprezo.
Se a descida se faz assim, em certos dias, na dor, pode também
fazer-se na alegria. Esta palavra não é de mais.
(…)
Não há sol sem sombra e é preciso conhecer a noite. O homem
absurdo diz sim e o seu esforço nunca mais cessará. Se há um destino pessoal,
não há destino superior ou, pelo menos, só há um, que ele julga fatal e
desprezível. Quanto ao resto, ele sabe-se senhor dos seus dias.
(…)
Deixo Sísifo no sopé da montanha! Encontramos sempre o nosso
fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os
rochedos. Ele também julga que tudo está bem. Esse universo enfim, sem dono,
não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada estilhaço mineral
dessa montanha cheia de noite forma por si só um mundo. A própria luta para
atingir os píncaros basta para encher um coração de homem. É preciso imaginar
Sísifo feliz.»