http://www.capeladorato.org/2018/07/24/inauguracao-da-exposicao-junto-ao-chao-de-carlos-nogueira-e-manuel-de-freitas/
domingo, 26 de agosto de 2018
a minha primeira história de portugal
Para o meu pai
Sabes bem que sempre preferi os sonhadores
e os derrotados, tal como nunca deixei de
escolher as canções mais tristes.
Saltava as páginas em que se tomavam
castelos e cobiçavam praças estranhas
para me poder sentar esquecida
à volta de uma fogueira,
vendo um irmão ser traído,
um exército desejar a morte
por uma visão. Do pinhal de Leiria
ficou-me apenas o sobressalto
do vento perdido entre as árvores,
o aroma ainda distante da canela
que, anos mais tarde, sentiria
noutro poeta. E tanto ouro do Brasil
assombrou-me as noites com pesadelos
de mármore e talha que nem a nossa armada
de papel conseguia vencer.
e os derrotados, tal como nunca deixei de
escolher as canções mais tristes.
Saltava as páginas em que se tomavam
castelos e cobiçavam praças estranhas
para me poder sentar esquecida
à volta de uma fogueira,
vendo um irmão ser traído,
um exército desejar a morte
por uma visão. Do pinhal de Leiria
ficou-me apenas o sobressalto
do vento perdido entre as árvores,
o aroma ainda distante da canela
que, anos mais tarde, sentiria
noutro poeta. E tanto ouro do Brasil
assombrou-me as noites com pesadelos
de mármore e talha que nem a nossa armada
de papel conseguia vencer.
Hoje em dia, Sebastião é o vagabundo
mais fiel do meu jardim. Todas as tardes
adormece sobre a relva, numa real
indiferença aos pássaros que o saúdam
ou à beleza das romãzeiras que insistem em ungi-lo
de flores à falta de nevoeiro.
Gosto de reis assim, cujo túmulo
possa procurar em todas as capelas
de uma catedral estrangeira, acendendo
vela por vela até o encontrar para ti;
e sobretudo de D. Miguel, com quem
me cruzei na Nazaré quando fugia
de um milagre que não conseguia ver,
todo o mar do império cavado à minha frente.
Os meus passos não se marcaram
na rocha, nem a figura do rei-arcanjo
recuperou esses contornos apagados à força
na pedra do forte. Mas fizemos um pacto -
mais fiel do meu jardim. Todas as tardes
adormece sobre a relva, numa real
indiferença aos pássaros que o saúdam
ou à beleza das romãzeiras que insistem em ungi-lo
de flores à falta de nevoeiro.
Gosto de reis assim, cujo túmulo
possa procurar em todas as capelas
de uma catedral estrangeira, acendendo
vela por vela até o encontrar para ti;
e sobretudo de D. Miguel, com quem
me cruzei na Nazaré quando fugia
de um milagre que não conseguia ver,
todo o mar do império cavado à minha frente.
Os meus passos não se marcaram
na rocha, nem a figura do rei-arcanjo
recuperou esses contornos apagados à força
na pedra do forte. Mas fizemos um pacto -
doravante o olhar de um sustém
o outro sobre a terra. É só essa
a nossa história.
o outro sobre a terra. É só essa
a nossa história.
Inês Dias
Georg Trakl
Fui buscar à biblioteca um dos livros que mais me marcou durante a adolescência.
Outono: passos negros na orla da floresta.
Estranhos são os caminhos nocturnos do homem.
Continuo a achar o livro bom mas já não me bate como nessa outra época. O estilo, demasiado lunar e desesperançado, chega até a maçar-me. No entanto, pode dizer-se que sou hoje uma pessoa muito menos solar do que nesses anos em que delirava com a escrita do Trakl, pelo que só me ocorrem as palavras de Claudio Magris: Talvez a minha odisseia literária seja aquela que conta a viagem ao nada e o respectivo retorno.
terça-feira, 21 de agosto de 2018
segunda-feira, 6 de agosto de 2018
uma mulher não pode morrer sem primeiro florir
A Antonia Pozzi
A minha raça foi privada do descanso nocturno.
Enquanto os outros se aconchegam nos ténues consolos da messe, cabe-nos vigiar os pensamentos da floresta.
(porque todo o demónio é pensamento. ou serão anjos? anjos sorridentes, envoltos numa lassidão azul. quem poderá esclarecer, conhecer ainda as polaridades primordiais?)
Há muito que nos afastámos da aldeia e nessa migração perdemos o sul e as asas. Faz frio. Foi-se o medo, apagou-se a fogueira
- não faz mal, pequena, vivemos na época da electricidade e do espanto contabilizável.
A minha raça traz petrificada nos ossos uma língua silenciada. Com palavras e poeira dos cometas. alumiamos as madrugadas frias que antecedem as batalhas. Porque estamos sós mas permanecemos corajosas.
(porém ninguém me trouxe flores ou cantos e o meu coração vai murchando na ofensa vespertina de tal improbabilidade)
Quem dirá que o dia de amanhã despontará destas mãos emagrecidas pelo tempo?
E quem sabe o que é uma árvore? Haverá maior mistério do que uma árvore?
Estacionada na noite imemorial, uma árvore ensina-nos o significado oculto de um prece, pressentida apenas pelo vento e pelos pássaros.
Das raízes à copa, uma árvore sabe que uma mulher não pode morrer sem primeiro florir.
A minha raça não conhecerá descanso até essa Primavera.
Quem me vende hoje uma flor?
AS FLORES
Não há ninguém,
não há ninguém que venda
flores
nesta estrada maldita?
E este mar negro
e este céu lívido
e este vento adverso -
oh, as camélias de ontem
as camélias brancas vermelhas risonhas
no claustro de ouro -
oh, a ilusão primaveril!
Quem me vende hoje uma flor?
Eu tenho tantas no coração:
mas presas
em ramos pesados -
mas espezinhadas -
mas murchas.
Tenho tantas que a alma
sufoca e quase morre
sob o enorme amontoado
por oferecer.
Mas no fundo do negro mar
está a chave do coração -
no fundo do negro coração
pesará
até ao anoitecer
a minha inútil colheita
prisioneira -
Oh, que me vende
uma flor - uma outra flor
nascida fora de mim
num jardim verdadeiro
que eu possa dar a quem me espera?
Não há ninguém,
não há ninguém que venda
flores
neste triste caminho?
Bucólicas cubanas
Creio que
sempre tive uma grande voracidade sexual. Não só as éguas, as porcas, as
galinhas ou as peruas, mas quase todos os animais foram objecto da minha paixão
sexual, incluindo os cães. Havia um cão que me proporcionava um grande prazer;
escondia-me com ele atrás do jardim tratado pelas minhas tias e aí o obrigava a
mamar-me na piça; o cão acostumou-se e, com o tempo, fazia aquilo
voluntariamente.
Aquela fase entre os sete e os dez
anos foi para mim de um grande erotismo, de uma voracidade sexual que, como já
disse, abarcava quase tudo. Abarcava a natureza em geral, pois também abrangia
as árvores. Por exemplo, nas árvores de tronco macio, como o mamoeiro,
abria-lhes um buraco onde introduzia o pénis. Era um grande prazer ter gozo
numa árvore; também os meus primos o faziam; faziam-no com os melões, com as
cabaças, com as anonas. Um dos meus primos, o Javier, confessava-me que o maior
prazer era o que sentia quando tinha gozo com um galo. Um dia o galo acordou
morto; não acredito que tenha sido por causa do tamanho do sexo do meu primo,
que era, evidentemente, bastante pequeno; creio que o pobre galo morreu de
vergonha por ter sido ele o fornicado, quando era ele que costumava fornicar
todas as galinhas do pátio.
Seja como for, há que ter em conta
que, quando se vive no campo, se está em contacto directo com o mundo da
natureza e, portanto, com o mundo erótico. O mundo dos animais é um mundo
incessantemente dominado pelo erotismo e pelos desejos sexuais. As galinhas
passam o dia inteiro cobertas pelo galo, as éguas pelo cavalo, a porca pelo
varrão; os pássaros têm o seu gozo no ar; as pombas, depois de um grande
barulho e grandes facécias, acabam por se pegar com certa violência; as
lagartixas contendem umas com as outras horas e horas; as moscas fornicam em
cima da mesa em que comemos; os porquinhos-da-índia parem todos os meses; as
cadelas, quando são penetradas, armam tal algazarra que são capazes de excitar
as freiras mais pias; as gatas com cio uivam de noite com tal veemência que
despertam os desejos eróticos mais recônditos… É falsa a teoria sustentada por
alguns acerca da inocência sexual dos camponeses; nos meios do campo existe uma
força erótica que geralmente supera todos os preconceitos, repressões e
castigos. Essa força, a força da natureza, impõe-se. Acho que no campo poucos
são os homens que não tiveram relações com outros homens; neles, os desejos do
corpo estão acima de todos os sentimentos machistas que os nossos pais se
encarregaram de inculcar em nós.
Wem wilst du klagen, herz?
LAMENTO
A quem queres levar o teu lamento, coração? Sempre mais esquivo
abres caminho por entre os homens
que não entendes. Talvez mais ainda em vão,
porque não há desvios nesse caminho,
porque o seu horizonte é o futuro,
lugar perdido.
E antes, lamentavas-te? Que aconteceu? Uma baga
de júbilo caída, ainda verde.
Mas agora cai por terra a minha árvore-do-júbilo,
cai com a tempestade a minha lenta
árvore-do-júbilo.
Tu, a mais bela na minha paisagem
invisível, tu, que me deste a conhecer melhor
os anjos, invisíveis.
Rainer Maria Rilke
Paris, Julho de 1914
Tradução de João Barrento
A quem queres levar o teu lamento, coração? Sempre mais esquivo
abres caminho por entre os homens
que não entendes. Talvez mais ainda em vão,
porque não há desvios nesse caminho,
porque o seu horizonte é o futuro,
lugar perdido.
E antes, lamentavas-te? Que aconteceu? Uma baga
de júbilo caída, ainda verde.
Mas agora cai por terra a minha árvore-do-júbilo,
cai com a tempestade a minha lenta
árvore-do-júbilo.
Tu, a mais bela na minha paisagem
invisível, tu, que me deste a conhecer melhor
os anjos, invisíveis.
Rainer Maria Rilke
Paris, Julho de 1914
Tradução de João Barrento
Morte em Veneza
«Porque a beleza, Fedro, repara bem, só a beleza é
divina e simultaneamente visível, e por isso ela é também caminho do artista
para o espírito. Mas diz-me agora, meu querido amigo, acreditas que se pode
atingir alguma vez a sabedoria e verdadeiro valor viril quando se caminha para
o espiritual por via dos sentidos? Ou acreditas antes (és livre de o decidir)
que esse caminho é cheio de atraentes perigos, na realidade um caminho de
desacerto e pecado, que conduz necessariamente ao erro? Pois tens de saber que
nós, poetas, não podemos embarcar no caminho da beleza sem que Eros nos
acompanhe e se arvore em líder; podemos bem ser heróis à nossa maneira e
guerreiros disciplinados, mas não deixamos de ser como as mulheres, pois a
paixão é para nós sublimação e o nosso desejo deve permanecer amor – é esse o
nosso prazer, é essa a nossa vergonha. Vês agora que nós, os poetas, não
podemos ser sábios nem dignos? Que embarcamos necessariamente no erro,
permanecemos necessariamente devassos e aventureiros do sentimento? A mestria
do nosso estilo é mentira e logro, a nossa fama e respeitabilidade, uma farsa,
a confiança da multidão em nós, altamente risível, a educação do povo e da
juventude pela arte, um empreendimento ousado, a interdizer. Pois como podia
prestar para educador aquele que possui uma tendência inata, incorrigível e
natural para o abismo? Nós bem gostaríamos de o renegar para ganharmos em
dignidade, mas, sempre que queremos desviar-nos, ele aí está a atrair-nos. É por
isso que renegamos o conhecimento desintegrador, porque o conhecimento, Fedro,
não tem qualquer dignidade ou severidade; é sabedor, compreensivo, indulgente,
não tem posição nem forma; tem simpatia pelo abismo, ele é o abismo. Por isso o rejeitamos energicamente, e desde então a
nossa ambição é só a beleza, o que quer dizer a simplicidade, a grandeza, uma
nova severidade, um incondicionalismo renovado, a forma. Mas a forma e o
incondicionalismo, Fedro, levam à embriaguez e ao desejo, podem levar a
criatura mais nobre a terríveis sacrilégios do sentimento, que a sua própria
severidade pelo belo repudia por infames, levam ao abismo, também elas levam ao
abismo. A nós, poetas, digo-te eu, é aí que elas nos levam, pois não somos
capazes de elevação, mas de excesso. E agora, Fedro, vou-te deixar, fica tu
aqui e parte só quando já não me vires.»
quinta-feira, 2 de agosto de 2018
mixed feelings
Ora aqui está um livro que me suscita sentimentos contraditórios. Numa primeira abordagem, diria que obviamente me agrada pois ajudou-me a compreender melhor algumas fases da atribulada história da Rússia, sobretudo após a falência da URSS. Depois, recordou-me um pouco O METEREOLOGISTA, de Olivier Rolin, também publicado pela Sextante: mais um francês que encontra uma história russa interessante, embora se possa acrescentar que faltam a ambos unhas para as escrever com mestria - o resultado é uma narrativa de fácil leitura que vai seduzindo pela fatia do real que coloca no papel.
Embora a leitura me tenha entretido bastante, finda a leitura, precisei de algum tempo para a digerir. E a conclusão a que chego é que este Limonov não me convence: o Carrère devia estar a atravessar um qualquer bloqueio criativo, reencontrou Limonov e persuadiu-se de que se tratava de um romance de aventuras excepcional (por ingenuidade? terá o próprio Carrère uma vida assim desinteressante? ou tal logro dever-se-à afinal a um golpe marketeiro?). Na minha opinião, o Limonov não é uma daquelas personagens russas exemplares, trata-se apenas de um oportunista que foi aproveitando as circunstâncias o melhor que pode. É assim que consegue sair da casa dos pais, que escolhe desertar de uma Rússia soviética para mais tarde regressar reclamando o passado glorioso dessa URSS que ele não foi capaz de tolerar. Mas até aqui tudo bem. O que eu não consigo mesmo engolir é que este gajo tenha ido combater ao lado dos nacionalistas sérvios, sem minimamente se inteirar do verdadeiro rosto dessa causa alheia. Nem isso nem a merda de partido extremista que ele funda com ares de vanguarda intelectual, mero pastiche de referências pop. (O seu pensamento político era confuso, sumário. Sob a influência de Duguin, ele torna-se ainda mais confuso, mas um pouco menos sumário. Enche-se de referências. Longe de opor fascismo a comunismo, Duguin venera-os igualmente. Acolhe simultaneamente no seu panteão Lenine, Mussolini, Hitler, Leni Riefenstahl, Maiakovski, Julius Evola, Jung, Mishima, Groddeck, Jünger, Mestre Eckart, Andreas Baader, Wagner, Lao-Tsé, Che Guevara, Sri Aurobindo, Rosa Luxemburgo, Georges Dumézil e Guy Debord. Se, só para se ver até onde pode ir, Eduard quiser incluir Charles Manson, nenhum problema, apertam-se um pouco para lhe dar lugar.)
Quem o topou bem foi Lawrence Ferlinghetti: «Hoje que, em troca de um trabalho pouco exigente, mora numa mansão sumptuosa e, de certo modo, beneficia das vantagens da sociedade burguesa, o herói do livro não seria mais indulgente para com essa sociedade? Não a encararia com um olhar mais severo?» E o amigo do Carrère: A tournée dos nacionais-bolcheviques no Cazaquistão, no Turquemenistão, no Tajiquistão e no Uzbequistão durou dois meses. Eram oito a acompanhar o chefe, oito tipos género paraquedistas que uma série de fotografias, publicadas em Anatomia do herói, mostra diante dos tanques russos estacionados na região. Essas fotografias fizeram rir bastante um dos meus amigos a quem as mostrei, num dia de bebedeira. «Ouve lá, eles não passam de um grupo de panascas. Foram até lá para serem enrabados à vontade.» Eu também ri, não tinha pensado nisso. No fundo, não acredito, mas quem sabe?
Eis o Prémio Renaudot 2011. Não encontraram uma obra mais merecedora? Quiçá uma biografia do Putin?
um outro Buzzati
Fui buscar esta edição antiga à biblioteca e li-a bastante rapidamente. De Buzzati, só tinha ainda lido O DESERTO DOS TÁRTAROS, que me agradou bastante, e não reconheci o estilo do autor neste livro. O enredo é relativamente simples: António, um burguês de meia-idade, seguro e entediado na fortaleza da sua solidão, apaixona-se por Laide, uma jovem prostituta, e ingressa numa espiral de obsessão, ciúme e humilhação. Como convém, a narrativa segue um ritmo frenético, reclamando ao leitor a mesma voracidade com que Laide vai consumindo António. Ou vice-versa - pois o final remata com uma perspectiva reversa (e aqui reencontrei um pouco esse Buzzati que já conhecia).
O Amor e a Morte
Metafísica
De cada vez que nos teus braços
Por uns momentos morro,
Nos abismos de mim o meu amor pede socorro
Como se à força alguém lhe desatasse os laços.
De cada vez apreendo
Que fica em muito pouco, ou nada, aquele tanto
Que o querer ter promete, enquanto
Se não tendo.
Desejar é que é ter! mas não nos basta.
Sonhar é que é possuir sem tédio nem cansaços.
Sei-o, mas só já morto nos teus braços.
Sofre a carne de ter, ou de ser casta.
Sobre o desejo farto, a alma se debruça,
Contempla o nada a que o fartá-lo aponta.
E atrás do mesmo nada eis que ela mesma, tonta,
Vai, se a carne reacende a escaramuça.
Entrar num corpo até onde se oculte
O para Lá do corpo - eis o supremo sonho.
De que desejos o componho,
Se ei-lo se descompõe quando o desejo avulte?
Sôfrega, a carne pede carne. Saciada,
Pede, ela própria, o que jamais sacia.
Para de novo se inflamar, é um dia.
Para de novo desgostar, um nada.
Ai, como não te amar e não te aborrecer,
Carne de leite e rosas, - terra inglória
Do longo prélio-entendimento sem vitória
Que é carne e alma, ter-não ter?
José Régio
De cada vez que nos teus braços
Por uns momentos morro,
Nos abismos de mim o meu amor pede socorro
Como se à força alguém lhe desatasse os laços.
De cada vez apreendo
Que fica em muito pouco, ou nada, aquele tanto
Que o querer ter promete, enquanto
Se não tendo.
Desejar é que é ter! mas não nos basta.
Sonhar é que é possuir sem tédio nem cansaços.
Sei-o, mas só já morto nos teus braços.
Sofre a carne de ter, ou de ser casta.
Sobre o desejo farto, a alma se debruça,
Contempla o nada a que o fartá-lo aponta.
E atrás do mesmo nada eis que ela mesma, tonta,
Vai, se a carne reacende a escaramuça.
Entrar num corpo até onde se oculte
O para Lá do corpo - eis o supremo sonho.
De que desejos o componho,
Se ei-lo se descompõe quando o desejo avulte?
Sôfrega, a carne pede carne. Saciada,
Pede, ela própria, o que jamais sacia.
Para de novo se inflamar, é um dia.
Para de novo desgostar, um nada.
Ai, como não te amar e não te aborrecer,
Carne de leite e rosas, - terra inglória
Do longo prélio-entendimento sem vitória
Que é carne e alma, ter-não ter?
José Régio
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