"A Ninfa é a matéria
mental fremente, oscilante, brilhante de que são feitos os simulacros, os eídōla. E é a matéria da literatura. De cada
vez que se divisa a Ninfa, vibra a matéria divina que se plasma nas epifanias e
se introduz na mente, potência que antecede e sustém a palavra. A partir do
momento em que essa potência se manifesta, a forma segue-a e adapta-se,
articula-se segundo esse fluxo.
A última
grandiosa e flamejante celebração da Ninfa encontra-se em Lolita, história de um nymphólēptos,
o professor Humbert Humbert, «caçador encantado» que entra no reino das Ninfas
atrás de um par de meias brancas e de uns óculos em forma de coração. Nabokov,
que era mestre em disseminar pelos seus livros segredos tão evidentes, e
dispostos de tal modo perante os olhos de todos, que ninguém os via, expôs os
motivos da sua dilacerada, sumptuosa, homenagem às Ninfas logo nas primeiras
dez páginas do romance, onde, com o rigor do lexicógrafo, explicava que
«acontece por vezes que algumas jovens, de idades compreendidas entre as
fronteiras dos nove e dos catorzes anos, revelem a certos viajantes encantados –
que têm duas vezes, ou muitas vezes, a sua idade –, a sua verdadeira natureza,
que não é humana, mas de ninfa (ou seja demoníaca); e pretendo designar estas
criaturas eleitas pelo nome de «ninfetas». Ainda que a palavra «ninfeta»
estivesse destinada a um sucesso extraordinário, sobretudo no círculo ecuménico
da pornografia, não foram muitos os leitores que se aperceberam de que, nessas
linhas, Nabokov oferecia a chave do seu enigma. Lolita é uma Ninfa que vagueia
pelos móteis de Middle West, «um demónio imortal disfarçado de criança», num mundo
em que os nymphólēptoi podem apenas
escolher se querem ser considerados criminosos, como o professor Humbert
Humbert. Das «águas mentais» das Ninfas até aos deuses a passagem é fácil. Até porque
nas suas incursões pela terra, os deuses eram muitas vezes mais atraídos pelas
Ninfas do que pelos humanos. A Ninfa é o medium
onde os deuses e os homens aventureiros se encontram. Quanto aos deuses, como
se podem reconhecer? Neste caso, os escritores foram sempre, felizmente, muito
abertos. Agiram sempre como se subscrevessem uma iluminada observação de Ezra
Pound: «Não tendo nunca sido possível encontrar uma metáfora mais adaptada para
certas cores emotivas, afirmo que os deuses existem.» Um escritor é alguém que
vê essas «cores emotivas».
Quanto à
verdade esotérica de Lolita, Nabokov concentrou-a
numa minúscula frase escondida como um estilhaço de diamante no enredo do
romance: «A ninfolepsia é uma ciência exacta.» Só não disse que essa «ciência
exacta» era a ciência que tinha desde sempre exercido, mais até do que a
entomologia: a literatura."