terça-feira, 26 de março de 2019

e ei-las de nova, as ninfas




"A Ninfa é a matéria mental fremente, oscilante, brilhante de que são feitos os simulacros, os eídōla. E é a matéria da literatura. De cada vez que se divisa a Ninfa, vibra a matéria divina que se plasma nas epifanias e se introduz na mente, potência que antecede e sustém a palavra. A partir do momento em que essa potência se manifesta, a forma segue-a e adapta-se, articula-se segundo esse fluxo.
            
      A última grandiosa e flamejante celebração da Ninfa encontra-se em Lolita, história de um nymphólēptos, o professor Humbert Humbert, «caçador encantado» que entra no reino das Ninfas atrás de um par de meias brancas e de uns óculos em forma de coração. Nabokov, que era mestre em disseminar pelos seus livros segredos tão evidentes, e dispostos de tal modo perante os olhos de todos, que ninguém os via, expôs os motivos da sua dilacerada, sumptuosa, homenagem às Ninfas logo nas primeiras dez páginas do romance, onde, com o rigor do lexicógrafo, explicava que «acontece por vezes que algumas jovens, de idades compreendidas entre as fronteiras dos nove e dos catorzes anos, revelem a certos viajantes encantados – que têm duas vezes, ou muitas vezes, a sua idade –, a sua verdadeira natureza, que não é humana, mas de ninfa (ou seja demoníaca); e pretendo designar estas criaturas eleitas pelo nome de «ninfetas». Ainda que a palavra «ninfeta» estivesse destinada a um sucesso extraordinário, sobretudo no círculo ecuménico da pornografia, não foram muitos os leitores que se aperceberam de que, nessas linhas, Nabokov oferecia a chave do seu enigma. Lolita é uma Ninfa que vagueia pelos móteis de Middle West, «um demónio imortal disfarçado de criança», num mundo em que os nymphólēptoi podem apenas escolher se querem ser considerados criminosos, como o professor Humbert Humbert. Das «águas mentais» das Ninfas até aos deuses a passagem é fácil. Até porque nas suas incursões pela terra, os deuses eram muitas vezes mais atraídos pelas Ninfas do que pelos humanos. A Ninfa é o medium onde os deuses e os homens aventureiros se encontram. Quanto aos deuses, como se podem reconhecer? Neste caso, os escritores foram sempre, felizmente, muito abertos. Agiram sempre como se subscrevessem uma iluminada observação de Ezra Pound: «Não tendo nunca sido possível encontrar uma metáfora mais adaptada para certas cores emotivas, afirmo que os deuses existem.» Um escritor é alguém que vê essas «cores emotivas».
            
      Quanto à verdade esotérica de Lolita, Nabokov concentrou-a numa minúscula frase escondida como um estilhaço de diamante no enredo do romance: «A ninfolepsia é uma ciência exacta.» Só não disse que essa «ciência exacta» era a ciência que tinha desde sempre exercido, mais até do que a entomologia: a literatura."