segunda-feira, 21 de agosto de 2023
Incipit Vita Nova ou a Vida Vivificante
María Zambrano. Dela posso dizer: das melhores coisas que li nos últimos tempos e em toda a minha vida. O seu pensamento é denso, funde alquimicamente filosofia e poesia, e alude a tudo o que eu venho pensando, ou melhor, pressentindo nos últimos anos da minha aventura. Deixo dois excertos mas tudo é profundo e delicioso:
"A clareira do bosque é um centro onde nem sempre é possível entrar; da extrema olha-se para ela e o aparecimento de algumas pegadas de animais não ajuda a dar esse passo. É outro reino que uma alma habita e guarda. Algum pássaro avisa e chama para ir até onde a sua voz for marcando. E obedece-se a ela; depois não se encontra nada, nada que não seja um lugar intacto que parece ter-se aberto nesse único instante e que nunca mais se dará assim. Não há que procurá-lo. Não há que procurar. É a lição imediata das clareiras do bosque: não há que procurá-las, nem tão-pouco procurar nada nelas. [...]"
"[...]. Algum animal sem fábula olha nesta lonjura. Algum farrapo desprende-se de uma brancura não vista, algo que não é signo. Nada é signo, como se se vislumbrasse um reino onde o que significa e o significado fosse um só e o mesmo, onde o amor não tenha que ser amparado nem a natureza ande como uma ovelha perdida ou surpreendida que aparece e se esconde."