Oscar Wilde
quinta-feira, 30 de abril de 2009
quarta-feira, 29 de abril de 2009
É evidente...
é evidente que podemos explicar.
é evidente que podemos concluir.
é evidente que podemos curar.
é evidente que podemos abrir 1 consultório e dizer : PAGA!
é evidente que podemos psicanalizar.
é evidente que podemos ter componentes.
é evidente que podemos começar pelo início.
é evidente que podemos ter emoção e razão e céu em cima e terra por baixo.
é evidente que podemos comer e não dar por isso, defecar e não dar por isso,
fornicar e fecundar e não dar por isso.
é evidente que podemos Regressar.
é evidente que podemos enumerar e dar os nomes certos às coisas erradas.
é evidente que podemos acertar.
é evidente que podemos ter 1 corpo sem falhas excepto
a falha grande que é MORRER e as outras falhas pequenas que são a dor a doença
e a velhice.
é evidente que podemos fixar, explicar, concluir, exemplificar, começar, abrir 1 consultório,
curar, receber e pagar, estruturar, desenvolver, ter ideias claras e ideias claras.
é evidente que podemos pensar, dançar e depois pensar ou então o contrário.
é evidente, enfim, insisto, que podemos explicar,
mas é melhor não.
Gonçalo M. Tavares in. " Livro da dança " assirio & alvim
segunda-feira, 27 de abril de 2009
Mais um aforismo do Aníbal, o outro
No fim do almoço com mais de 150 dragões de komodo, que devoraram tudo com as dentaduras ferozes e insaciáveis, uns quantos medronhos mata-bicho e uma sessão de tarot que mais parecia um jogo de póquer: «Para curar um amor, não há melhor que arranjar logo outro. É como a bubedeira». Amo o remate. Especialmente, depois de ter passado três dias ébria.
quinta-feira, 23 de abril de 2009
Os pensamentos de Aníbal, o outro
«Quando um indivíduo está na praça, das duas uma: ou não presta ou não sabe o que quer». Isto a propósito das relações amorosas nos tempos de cólera de hoje. E eu que pensava que estava na praça a curtir as vistas. Talvez tenha uma ideia inflacionada de mim ou uma ideia deflacionada da minha solidão. Das duas, uma. Não sei, a ver se penso mais claramente nisto.
«Não existem boas pessoas. O que existem são indivíduos que tiveram sorte e não se depararam com circunstâncias tramadas. Eu não acredito em santos». Este meu tio é qualquer coisa.
Vou por um anúncio no jornal para ver se encontro o homem dos meus sonhos. Só não me consigo decidir em qual: no Correio da Manhã, em que o público é mais massivo e indiferenciado, ou no Público, em que os leitores são mais cultos e pretensiosos.
terça-feira, 21 de abril de 2009
NOITES CROMÁTICAS 1
Picnic no Parque de Alvalade: há muito tempo, que não me deitava na erva a disfrutar do banho da luz da lua. Não percebia os corpos, ouvia apenas as vozes, deliciada e imaginava as rostos dos que não conhecia. Longe do som do mal, dos passos que ecoam fortes e solitários nas igrejas fechadas e húmidas. Percebo a quietude da natureza, das árvores nos passeios, das ervas daninhas nos intervalos das pedras de calçada, à espera de um intervalo nosso para recuperar o que lhe furtámos. Clamo em silêncio por uma oportunidade de vingança do verde.
Alfama: alguns whiskies e vou vendo as caras que conheci no escuro. Caras menos enigmáticas do que as imaginei. Olhos mais alucinados do que supusera.
Regueirão dos Anjos: sento-me ao lado de um homem, vestido com todo o rigor de África. Converso com ele. Fantasio-o um xamã. Diz-me coisas profundas, para ter cuidado com o presente. Lê a desordem na palma da minha mão. Depois sento-me num sofá, ao lado de um espanhol que encontrara noutra noite no LX Factory e que não se recordava da conversa que tínhamos tido. Na outra noite, estava há horas aos beijos com uma rapariga. Quando saí da disco, continuavam cá fora. Na minha ingenuidade não me contive, aproximei-me, pedi desculpa pela interrupção, mas queria saber se aquilo era amor. Queria saber se o amor ainda pode existir nestes tempos. Ele tentou manobrar a questão, a rapariga respondeu de imediato, que não, que não era amor. Ele pareceu desapontado com a resposta. Perguntei então se era sexo. Ela respondeu que não, que era qualquer coisa entre amor e sexo. Afastei-me a pé, a cismar no porquê de não conseguir entender a medianidade, de ter de viver sempre entre absolutos. De não suportar estados intermédios. Ouvi a rapariga gritar e olhei para trás. «Eu estou contigo. Também quero acreditar no amor puro». Continuei sozinha pela minha Lisboa de madrugada, vagueando enleada nos meus pensamentos, com um chapéu por companhia. No Regueirão torno a encontrar este rapaz com outra rapariga. Sento-me a seu lado no sofá e como percebo que não se recorda de mim, falo-lhe como um anjo lhe falaria se pudesse descer até ele. Ele responde com teorias líquidas de afecto, dizendo que o amor acontecerá inevitavelmente. Respondo-lhe que não. Que contra todas as hipóteses, o amor não acontecerá. Saio, arrasto o meu corpo até ao Cais de Sodré. Sinto-me perdida, não quero ir para casa.
Às seis da manhã, vou comer uma bifana com um quilo de carne e alho no café mais xunga do Cais de Sodré, onde o dono faz tudo para me agradar, porque eu sou aquilo que ele chama de «viagra dos pobres». Obviamente tentei negociar sexo oral e quase chegávamos a um acordo - a proposta inicial dele era de dois euros e meio, mas julgo que era capaz de chegar a um preço ainda mais simpático, afinal a negociação é um dos meus fortes.
Depois disto, entro no metro - um erro que cometo raramente, pois não gosto de misturar a minha loucura com o dia normal dos trabalhadores - e começo, juntamente com um amigo a chamar todos de «wankas». E é então que o diálogo mais genial da noite acontece. Um dread de sobrancelhas rapadas diz-me:
- Tu é que tens a culpa disto tudo.
- Disto tudo o quê?
- De tudo. Tudo.
- Mas eu não sou Eva.
- E eu também não sou Adão.
Saio do metro na estação de Roma e olho o metro parado do outro lado da linha. Espero as portas fecharem e chamo a atenção de dois rapazes sentados junto à janela. Levanto a blusa e baixo o soutien. Ainda recordo as suas faces invadidas por uma súbita excitação infantil.
Saí do metro em êxtase e coloquei gentilmente todos os caixotes de lixo na horizontal. Ao virar da esquina, contemplei a rua e era uma visão soberba.
Vejo beleza nisto tudo. E não desculpo quem não veja.
segunda-feira, 20 de abril de 2009
O Quarto do Filho
É fácil estarmos juntos quando tudo corre bem.
Mas é precisamente quando tudo corre mal, que precisamos uns dos outros. Eu, que não sou nada católica, recordo o discurso do padre no casamento do meu primo: o amor é diferente da paixão, envolve uma decisão racional, um compromisso de estar ao lado de alguém, partilhar uma vida, alegrias e desgostos. Compromisso que esquecemos todos na era líquida do amor, em que os afectos são voláteis, descartáveis e com prazo de validade.
«Ama-me quando eu menos merecer, pois será então que eu mais precisarei».
O ócio nem sempre significa passividade; ás vezes é preciso parar para repensar, para nos reencontrarmos e podermos voltar ao mundo. É preciso morrer um pouco para poder ir vivendo.
Aos nossos amores
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