Estranhos são os caminhos outonais que fazem regressar os corpos à procissão dos dias.
Outubro, mês de véus e mistérios.
Há um corpo aquecido pela celebração estival que regressa em passos silenciosos pela floresta opaca. Um corpo anónimo, forasteiro, com um rosto de prata oferecido sem pudor ao vento frio que o acompanha. Nos bolsos, esconde as mãos ainda ardidas pela recordação do amor, esse astro grave.
As aves levantam voo das suas moradas lunares á sua passagem. Temem que traga presságios malignos. Não podemos censurar as aves – não conhecem o silêncio de um coração humano em paz.
O verde nocturno abre-se e eis a cidade de pedra e as luzes eléctricas que a alumiam fracamente. Os passos tornam-se hesitantes: recordam as dores fundas que fundaram o ser.
No centro da cidade há uma praça. Nela uma estátua de olhos fechados com o dedo indicador nos lábios, convida ao silêncio os viajantes tardios. O corpo passa sem a olhar, apressado por escapar á ordem do esquecimento. Aperta mais as mãos dentro dos bolsos, não quer deixar escapar a liquidez que o acompanha.
Vagueia pela noite eléctrica, pisando as folhas amarelecidas nos passeios públicos, enquanto recicla a vontade de amar. Antes do dia nascer, entra numa igreja, concentra-se no som dos seus tacões a ecoar pelas paredes seculares e recorda o mistério do sagrado.
Quando sai, o sol forte já transformou a cidade de pedra numa cidade viva. As ruas estão apinhadas de pessoas, cheias de vendedores de vegetais, frutas e peixe. Os carros e as motas buzinam de alegria. O corpo perde o anonimato e transforma-se num rosto feliz por ter vencido a noite inumana.
Para celebrar o seu regresso, decide comprar castanhas assadas na próxima esquina. Observa o rosto fuliginoso da vendedora idosa e as suas mãos gigantes. Depois vai avenida abaixo, saboreando as castanhas solenemente. Quando termina, as suas mãos regressam aos bolsos do sobretudo. Contentes, apaziguadas e ainda quentes.
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