domingo, 20 de dezembro de 2009

Aos meus amantes



Isto não é poesia.
São fragmentos de pele,
Suor, lágrimas,
Vómito, pelos púbicos.
Saliva e merda
Muita merda.
São beijos também,
Flirts com a minha verdade
Que é múltipla,
Resistente e selvagem.
São corpos histéricos
Em busca de uma luz que liga
De um corte que toque a ferida.
São gritos desvairados
Umas vezes doces
Outras tristes.
Sem beleza poética.
E afinal das contas, tudo isto para quê?
Para muito pouco. Ou nada.
Um registo da luta diária
Que vou travando contra mim.
São então
Palavras
De mim
Para mim
Contra mim.
E tudo tão pouco.
Sempre aquém.
Hoje acordei e tinha a verdade
Espalhada por todo o corpo:
Uma aspereza na mão
Uma liquidez na face
Doce.
Não a esperava tão doce,
Tão calmante.
Para dizer a verdade,
Não esperava a verdade.
Embora toda a minha estória
Seja a tensão dessa procura.
Com muito sono
Por intermédio
Pois as horas maçam-me
E é sempre preciso derrotar-me um pouco.
Nunca amei. Não amo.
Às vezes tenho acessos de sede
E saio pelas ruas
Nua e sedenta.
Volto tarde com uma presa nos dentes.
Luto com ela na minha insaciedade.
Até que a sede vença de novo
E seja preciso voltar a navegar.
O meu nome é Eva
Nasci da terra vermelha
Dos homens e dos deuses
Criada como indigna e impura
Hoje corro as cidades
Comandada pela raiva e pela humilhação.
Há também uma vontade de vingança
(Não fosse a vingança feminina,
Ninguém a executa melhor do que uma
Fêmea enganada.
E a mim enganaram-me
E não me sabia mulher
Até ter sido enganada.)
Quando tenho medo,
Muito medo,
Fico quieta,
Quente e dócil
Fundo-me com a natureza dos cobertores
Numa vontade de aniquilação
De camuflagem.
Há algo de animal no meu corpo
De fera ferida,
Algo que vocifera,
Ruge,
Rosna,
Ronrona
E se dobra
Perante um predador mais desesperado.
Um desejo de crueldade
De violação.
Fui excluída da festa dos senhores
Relegada aos trabalhos domésticos
(Não sou uma mulher
Quando galgo as estradas,
Mas quando as coisas correm mal,
Torno-me mulher,
Injuriada como todas,
E culpo a condição.)
Um grito nas traseiras da casa
Que um dia será o grito da revolução
A minha forma de assassinar os senhores
É mastigar as suas carnes com o ventre,
Deitada por debaixo deles,
Alargada nos meus buracos de raiva.
E ressentimento.
Obrigada ao silêncio
Ou ao gemido de prazer.
Vergada pela reprovação,
Acusada da insegurança dos homens.
E dos deuses,
Já agora.
Também os deuses não sabem o que fazer com uma mulher.
O enigma da criação é o eterno feminino.
E para quando o meu banquete?
Para quando???
Eu quero sair
Beber o vinho da camaradagem
Descansar o corpo em redes sonolentas
Respirar
Olhar sem ver
Não estar em guerra
Mas não estar sozinha.
Quero tréguas:
Paz com os homens
E os deuses.
Corpo de cera,
Cabelo de boneca,
Porte de rainha,
A natureza não me deu nada disso.
Coube-me apenas um par de olhos,
Belos, fatais
E profundos, fundos.
Mas na mulher,
Já dizia Nietzsche,
São outros buracos que se querem profundos.
Abaixo do ventre.
Nunca os olhos.
Nem a boca.
E por isso,
(e por tudo o resto
- ou por nada)
Me revolto.
(E pode bem ser
Que me revolte apenas para melhor saborear a submissão).
Mas isso é cá comigo.

Sem comentários: