sábado, 29 de maio de 2010
INGEBORG BACHMANN (1926-1973)
Terra de névoa
No Inverno a minha amada
está com os bichos na mata.
Que eu tenho de voltar antes do dia,
a raposa sabe-o e ri.
Tremem tanto estas nuvens! E
na minha gola de neve cai
uma cama de gelo quebrado.
No Inverno a minha amada
é uma árvore entre as árvores e
convida aos belos ramos
os corvos abandonados da sorte. Sabe
que o vento, ao anoitecer, lhe levanta o
vestido hirto de noite e geada,
e me leva para casa.
No Inverno a minha amada
Vai silenciosa com os peixes.
Servindo as águas, movidas adentro
pelo o fio das barbatanas,
eu fico na margem e vejo-a
mergulhar e revirar,
enquanto os gelos não me expulsam.
E de novo, ao embate do grito
da ave que me ampara
com a asa, desabo
num campo aberto: a amada depena
as galinhas e atira-me
uma clavícula branca. Ponho-a ao pescoço
e afasto-me por entre a penugem amarga.
Infiel é a minha amada,
eu sei que às vezes flutua
de saltos altos até à cidade,
beija nos bares com a palhinha
os copos profundamente na boca
e vêm-lhe palavras para todos.
Mas eu não percebo o idioma.
Vi terra de névoa.
Comi coração de névoa.
uma espécie de perda
Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.
Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por
Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma
cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,
(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um aponta-
mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.
Não te perdi a ti,
perdi o mundo.
O Tempo Aprazado
Vêm aí dias difíceis.
O tempo até ver aprazado
assoma no horizonte.
Em breve terás de atar os sapatos
e recolher os cães nos casais da lezíria,
pois as vísceras dos peixes
arrefeceram ao vento.
Mortiça arde a luz dos tremoceiros.
O teu olhar abre caminho no nevoeiro:
o tempo até ver aprazado
assoma no horizonte.
Do outro lado enterra-se-te a amante,
a areia sobe-lhe pelo cabelo a esvoaçar,
corta-lhe a palavra,
impõe-lhe silêncio,
acha-a mortal
e pronta para a despedida
depois de cada abraço.
Não olhes em volta.
Ata os sapatos.
Recolhe os cães
Lança os peixes ao mar.
Extingue os tremoceiros!
Vêm aí dias difíceis.
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