domingo, 13 de janeiro de 2013

Afinidades Electivas




Mudar de casa é sempre penoso para um bibliófilo. Primeiro, há que catar os caixotes de papelão necessários para empacotar os mais de 1550 livros, depois arranjar os braços necessários para os levar até à nova morada e, por fim, tornar a arrumá-los nas estantes.

Apesar de cansativa, esta última parte é a mais deliciosa de todas. Porque em cada nova casa, os livros decidem novas contiguidades nas prateleiras, que me fazem sonhar com uma história alternativa da literatura, muito próxima da história da arte que Aby Warburg propôs no seu inacabado Atlas Mnemosyne: uma história da literatura não aglutinada por cronologias, movimentos ou temas mas por ligações estranhas. Como, por exemplo: a História de Portugal seguida de uma colectânea francesa de textos sobre o tratamento histórico da melancolia, o banquete de Kierkegaard e a moeda viva de Klossowski, as confissões de Santo Agostinho e o Assim falou Zaratustra de Nietzsche, Teorias Sociológicas e o Guia de Vinhos de Portugal de 2010, o Arco-Íris da Gravidade e o Em Busca do Tempo Perdido, o Kama Sutra e a Biblía, o 2666 e o Orlando Furioso, o Mujeres que leen son peligrosas e o Capuchinho Vermelho… No meu quarto, o Liaisons Dangereuses deita-se sobre o meu diário, intervalando a proximidade horizontal do Oblomov com Niels Lyhne.

Só depois de guiar cada livro até ao seu lugar, posso tratar de arrumar e apossar-me das outras partes da casa. E deitar-me enfim, no novo quarto, sonhando os diálogos estranhos que os livros tecem nestas convivências inesperadas, quando a casa dorme o seu sono mais profundo.

2 comentários:

Pedro Góis Nogueira disse...

Uma casa cheia de livros é das melhores coisas. E a tua tem muitos(quer dizer, talvez mais que muitos) livros e (parece) ter também muita luz sobre os livros. Só quem tem uma casa cheia de livros é que sabe verdadeiramente o que isso significa. Sem exagero, uma estante cheia deles vale mais que 30 divisões. E depois uma estante cheia de livros lidos tem aquela magia especial, um diálogo particular, já os conhecemos, é um carácter, uma personalidade que lá está, vidas, memórias, Literatura, etc e etc. E depois há os livros que ainda não se leram, como promessas ali a pairar :) É mesmo excelente. Beijinhos

Madame Bovary disse...

É verdade, Pedro, luz e livros são mais de meio caminho andado para uma casa feliz. Beijos e feliz ano novo