(...)
Reviu todas as suas recordações de Moscovo. Todas elas eram boas, agradáveis. Recordou o baile, recordou Vronsky e o seu rosto apaixonado e submisso, recordou todas as suas relações com ele: não havia nada de vergonhoso. Mas ao mesmo tempo, precisamente nesse ponto das suas recordações, o sentimento de vergonha intensificou-se, como se aqui, ao recordar Vronski, alguma voz interior lhe dissesse: «Quente, muito quente, a escaldar.»
(...)
E o filho, tal como o marido, produziu em Anna um sentimento parecido com a decepção. Imaginava-o melhor do que ele era na verdade. Tinha de descer à realidade para apreciá-lo tal como era.
(...) «Nada disto é novo; mas porque é que eu não reparei antes? - disse Anna para si mesma."
"Estava frente a frente perante a vida, perante a possibilidade de que a sua mulher amasse outro além dele, e era isso que lhe parecia confuso e incompreensível, porque esta era a própria vida. Aleksei Aleksándrovitch sempre vivera e trabalhara na esfera das suas obrigações oficiais, que tratavam dos reflexos da vida. E sempre que se defrontava com a própria vida, desviava-se dela. Agora experimentava um sentimento semelhante ao de um homem que, caminhando tranquilamente por uma ponte sobre um abismo, visse de repente que essa ponte se abatia e que lá em baixo havia um sorvedouro. Esse sorvedouro era a própria vida, e a ponte era a vida artificial que Aleksei Aleksándrovitch tinha vivido. Pela primeira vez ocorreram-lhe perguntas sobre a possibilidade de a sua mulher se apaixonar por alguém, e isso deixou horrorizado.
(...)
Pela primeira vez imaginou vivamente a vida pessoal dela, os seus pensamentos, os seus desejos, e a ideia de que ela podia e devia ter a sua vida particular pareceu-lhe tão assustadora que se apressou a afastá-la. Esse era o sorvedouro para onde ele tinha horror de olhar. Colocar-se em pensamento e em sentimento no lugar de outro ser era um acto mental estranho a Aleksei Aleksándrovitch. Achava esse acto mental uma fantasia nociva e perigosa."
Sem comentários:
Enviar um comentário