Quase sem aviso, ela mergulhou nas trevas, de mão dada com
ele, num sono que não era sono, antes uma luz límpida e crepuscular num pequeno
bosque verde, um bosque perigoso e irado cheio de vozes inumanas e ocultas que
cantavam, esganiçadas, como o sibilar de flechas, e viu Adam trespassado por
uma revoada destas flechas cantantes que o atingiam no coração e passaram,
estridentes, a rasgarem o seu caminho através das folhas. Adam tombou para trás
diante dos olhos dela, mas logo se tornou a erguer, ileso e vivo; uma outra
revoada de flechas disparada pelo arco invisível tornou a atingi-lo, e ele
caiu,e, contudo, ei-lo logo diante dela, ileso, numa perpétua morte e ressurreição.
Ela lançou-se para a frente dele, cheia de fúria e de egoísmo interpôs-se entre
ele e a trajectória da flecha, gritando: Não, não – dir-se-ia uma criança
enganada numa brincadeira –, agora é a minha vez, porque é que tens de ser
sempre tu a morrer? e as flechas trespassaram-lhe o coração de lado a lado e
trespassaram também o corpo dele, e ele caiu morto, e ela sobreviveu, e o
bosque assobiava e cantava e bramia, cada ramo, cada folha, cada haste de erva
tinha a sua própria voz acusadora. Ela desatou a correr então, e Adam agarrou-a
no meio do quarto, em plena corrida, e disse-lhe: – Querida, devo ter
adormecido também. O que é que aconteceu para dares gritos tão horríveis?
Depois de ele a ajudar a instalar-se de novo na cama, ela
sentou-se com os joelhos flectidos sob o queixo, de cabeça apoiada nos braços
cruzados, e começou a procurar cuidadosamente as palavras, porque era
importante explicar as coisas com muita clareza. – Foi um sonho muito
esquisito, não sei porque é que acabou por me assustar assim. Havia qualquer
coisa relacionada com um voto de amor antiquado. Eram dois corações gravados na
casca de uma árvore, trespassados pela mesma flecha… sabes como é, Adam…
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