quarta-feira, 6 de maio de 2009

Noites Brancas - Das Memórias de um Sonhador



Porque qualquer trabalho necessita de ser feito com vontade, exige o amor do trabalhador, exige uma entrega total. Haverá, afinal, muita gente que encontrou a sua vocação? […] Então, nos caracteres ansiosos de actividade, mas fracos, femininos, ternos, nasce a pouco e pouco aquilo a que se chama «sonhadorismo», e o homem deixa de ser homem, torna-se numa espécie esquisita… - o sonhador […] A realidade produz no coração do sonhador uma impressão grave, hostil, e então apressa-se a meter-se no seu cantinho secreto e dourado, que na realidade é, não raro, poeirento, desmazelado, desarrumado e porco. A pouco e pouco, o nosso rebelde começa a alienar-se dos interesses comuns e, gradualmente, imperceptivelmente, começa a embotar-se nele o talento de viver na vida real.”

Dostoievski, Crónicas de Petersburgo, 1847


“é verdade que às vezes tenho momentos de uma amargura insuportável, insuportável… Nesses momentos ponho-me a imaginar que nunca serei capaz de começar a ter uma vida verdadeira, porque são momentos em que perco o tacto e o olfacto do verdadeiro, do real; porque chego a amaldiçoar-me a mim próprio; porque, depois das minhas noites fantásticas, vêm os horríveis minutos do desembriagamento! Entretanto, ouço como marulha e gira no turbilhão da vida a multidão humana, ouço, vejo como vivem as pessoas – vivem na realidade; vejo que para elas a vida não é proibida, que a vida delas não se vai desvanecer como um sonho, como uma visão […] A alma já quer e já pede outra coisa! Inutilmente remexe nas cinzas o sonhador, nos seus sonhos antigos, procurando nas cinzas ao menos uma faísca, uma brasa em que sopre e acenda uma chama, para aquecer com o fogo recuperado o coração arrefecido e ressuscitar nele tudo o que dantes lhe era tão querido e lhe tocava a alma, que lhe fazia ferver o sangue, que lhe arrancava lágrimas dos olhos, que tão luxuosamente o iludia! […] Tornar-se-á pálido o teu mundo fantástico, vão esmorecer os teus sonhos, murchar, cair como folhas amarelas das árvores… […] Que triste ficar sozinho, completamente sozinho, sem ter sequer o que lamentar – nada, absolutamente nada, porque todo o perdido era nada, um zero estúpido, nada mais que uma ilusão!”

E que faremos no dia em que não formos mais capazes de sonhar? Com que veneno ou remédio alimentaremos a alma?

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