«A própria localização do Pátio Maldito era estranha, como se tivesse sido calculada para aumentar as torturas e os sofrimentos dos presos (frei Petar voltava muitas vezes a isto, tentando descrevê-lo). Do pátio nada se vê da cidade, nem do porto, nem do arsenal abandonado lá em baixo na margem do estreito. Só há o céu, imenso e cruel na sua beleza e, ao longe, um canto verdejante da margem asiática, do outro lado do mar invisível, e o vértice do minarete de uma mesquita desconhecida ou da copa de um cipreste gigantesco, atrás do muro. Tudo indeterminado, anónimo e alheio. Assim, um estrangeiro tem a sensação constante de estar numa ilha diabólica, longe de tudo o que até então para si significava vida, e sem esperança de em breve tornar a reencontrá-la. Os presos de Constantinopla sofrem ainda um outro castigo, aquele de não ver nem sentir nada da sua cidade: estão lá, mas é como se estivessem a cem dias de viagem; e essa lonjura aparente atormenta-os como se fosse real. Por todas estas razões, o pátio, rápida e insensivelmente, dobra um homem, subjuga-o de tal modo, que acaba por se perder. Depressa se esquece de tudo o que aconteceu e pensa-se cada vez menos no que acontecerá; assim o passado e o futuro fundem-se num único presente, na terrível e insólita vida do Pátio Maldito.
E quando acontece o céu cobrir-se de nuvens e começa a soprar um vento tépido e doentio do sul, que traz o fedor nauseabundo da putrefacção marinha do porto invisível e das imundices da cidade, então a vida nas celas e no pátio torna-se verdadeiramente insuportável. (…) O vento sibila e, como uma doença oculta, penetra em tudo o que é vivo. Mesmo os presos mais habitualmente tranquilos ficam atormentados por uma incompreensível irritação e, com os nervos à flor da pele, começam a agitar-se, tomados de raiva, procuram zaragatas. (…) Os nervos esticam-se até doer e descambam de repente em perigosas crises e gestos disparatados. (…)
Nessas horas de exaltação geral, a loucura, tal como uma epidemia ou uma labareda, passa de cela em cela, de homem em homem e transmite-se de pessoas para animais e seres inanimados. Agitam-se os cães e os gatos. Rápidas como flechas, ratazanas graúdas correm de um muro para o outro. Os homens rebentam com as portas, batem com as colheres em malgas de lata. As coisas escapam das mãos. (…)
Nestes momentos, o Pátio Maldito geme e crepita como um enorme guizo numa mão gigante e os homens dentro dele saltitam, encolhem-se, empurram-se uns aos outros e chocam contra os muros como bolas de metal dentro desse guizo.» (pag. 18-20).
«Não posso eu, meu amigo, curar-me – diz -, porque nem doente estou, mas é assim que sou e de nós próprios não nos podemos curar.» (pag.113)
E quando acontece o céu cobrir-se de nuvens e começa a soprar um vento tépido e doentio do sul, que traz o fedor nauseabundo da putrefacção marinha do porto invisível e das imundices da cidade, então a vida nas celas e no pátio torna-se verdadeiramente insuportável. (…) O vento sibila e, como uma doença oculta, penetra em tudo o que é vivo. Mesmo os presos mais habitualmente tranquilos ficam atormentados por uma incompreensível irritação e, com os nervos à flor da pele, começam a agitar-se, tomados de raiva, procuram zaragatas. (…) Os nervos esticam-se até doer e descambam de repente em perigosas crises e gestos disparatados. (…)
Nessas horas de exaltação geral, a loucura, tal como uma epidemia ou uma labareda, passa de cela em cela, de homem em homem e transmite-se de pessoas para animais e seres inanimados. Agitam-se os cães e os gatos. Rápidas como flechas, ratazanas graúdas correm de um muro para o outro. Os homens rebentam com as portas, batem com as colheres em malgas de lata. As coisas escapam das mãos. (…)
Nestes momentos, o Pátio Maldito geme e crepita como um enorme guizo numa mão gigante e os homens dentro dele saltitam, encolhem-se, empurram-se uns aos outros e chocam contra os muros como bolas de metal dentro desse guizo.» (pag. 18-20).
«Não posso eu, meu amigo, curar-me – diz -, porque nem doente estou, mas é assim que sou e de nós próprios não nos podemos curar.» (pag.113)
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