Nestes últimos tempos, tenho andado grávida. Grávida de qualquer coisa que forçou a sua vinda através de caminhos daninhos. Não sei o que vou parir mas suspeito que irei parir-me mulher dentro em breve. Não tenho medo.
Já não esbracejo com a raiva de um cão batido, já não corro a cidade com sedes acres e o meu ventre não reclama mais facas. As noites não picam mais a carne com as suas insónias. Estou calma, quase pedra. Depois da negra noite da alma e de alguns êxtases breves da carne, surgiu em mim um estoicismo involuntário, uma capacidade de modelar o tédio e a angústia com artifícios honestos.
Passo os dias sem ver pessoas e curiosamente não lhes sinto a falta. Cada uma é uma cidade bombardeada, como diria Eugénio de Andrade, e é tarefa mais fácil amá-las com uma certa distância. Vou lendo os dias. Se casarei ou não, já não me interessa; o amor não obscurece nem alumia a caligrafia singela das horas. Será talvez, apenas, um verão que asfixia na cidade abrasada. Ou eu, a parir uma solidão mais sólida que a pedra. De qualquer dos modos, está-se estranhamente bem.
2 comentários:
Texto tão belo que dá vontade de toma-lo puro :) Ou não sei bem, o que for...Tão forte como fabuloso.
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