Pela primeira vez, deu-me vontade de olhar para o passado e pensar o ano que está quase a terminar. Conjugando os pensamentos que anotei no meu diário, os acontecimentos que recordo e as leituras que registei no blog, chego à conclusão de que tudo o que aprendi pelo coração já o tinha previamente escrito algures. Como um conto que escrevi há mais de dois anos e que só hoje posso realmente entender. Porque o que me doeu este ano foi o cérebro e o seu pensamento atrasado; só se pode compreender de facto com as entranhas.
2011 foi um ano tramado: um ano de crise interna.
Um ano que começou mal. Janeiro na Mouraria bafienta e o conto profético Trinta Anos de Ingeborg Bachmann. A sensação de ter caído numa armadilha. As noites desassossegadas, duvidando de tudo, até da própria dor. Suspeitando que nada me ludibria tanto como essa moinha persistente. Sempre a pensar mais à frente ou mais atrás, incapaz de decidir o que é a felicidade porque tudo pesa e eu estou nua e gelada, ocupada por uma raiva que grita: "Despida de desejo venho até vós!" E no momento seguinte, uma vontade de esquecer tudo, ser humilde, pedir perdão e socorro e ganhar a ternura. Ou estalar os dedos, apenas, dizer estou boa e ficar boa. Sentir o vazio em mim e perceber que a minha fome é afinal maior que o amor, de uma teimosia que não está de acordo com a minha inteligência. Nem escrever consigo, apenas cair. “A destruição está em marcha. Poderei vir a falar em felicidade, se este ano não me matar.”
A Primavera traz-me O Apogeu de Miss Jean Brodie e a promessa de um amor bruto como o primeiro. Perco o apetite, decido confiar e sentir, sentir muito. Com o peito cheio, descarto os tiques, as frases de pacotilha e os espólios de guerra e recebo uma doçura desconhecida e deliciosa. Mudo mais uma vez de casa. Desta vez, optimista. Passo as noites a namorar com o Augie March e a acreditar que podemos ser fáceis, dados e aceitar o que vier. “Primeiro tem de se testar aquilo de humano com que se consegue conviver. E se o mais elevado estiver naquela taberna vazia e abafada, com as moscas, o rádio quente a zumbir entre jogadas e a cerveja de Sox Park, o que poderá fazer-se senão aceitar a mistura e dizer que a imperfeição é sempre a condição do que encontramos? Do mesmo modo, os meus olhos arranhados verão sempre a grande beleza arranhada. E deuses podem aparecer em qualquer lugar”.
A Aprendizagem começa a solidificar-se no Outono, quando regresso perdida da caça com o nome de Lóri. Os sonhos amputados por solidariedade, por ver que todos saíam tão derrotados pelo mundo. E termina com o diagnóstico de Raskólnikov, que é afinal o meu: orgulho ferido. Mas isso, eu apenas percebo uns dias após o Natal, depois de reler Coração, Solitário Caçador. Ou melhor: vejo. Por uns instantes, perco o medo de levar o pensamento demasiado longe, penso, e de súbito, vejo-me. Vejo-me dividida em duas forças contrárias, uma força guerreira, afirmativa e optimista que quer ser feliz e fazer muitas coisas e outra que teima na inércia e na descrença, fazendo trincheira de uns quantos desgostos, ofendida por o mundo não ser tal e qual o seu desejo. Que eu me boicotava a mim própria já sabia, mas nunca o tinha visto com olhos de ver. O que andou aqui dentro a espernear este ano todo foi a minha parte adolescente – está, portanto, resolvido o enigma de apenas me apetecerem romances de formação.
O ano termina bem. Não tenho nada de grave, apenas dores de parto. O que vou fazer daqui em diante é outra guerra, pois não posso simplesmente açoitar a menina mimada que está magoada: é ela quem sonha mais alto e escreve com maior delírio e força. “Esta é realmente a minha embaraçosa chegada à maturidade. Não serve para espectáculo nem dá como exemplo ou símbolo. Tenho de inventar a minha vida verdadeira.” Nenhum osso partido.
3 comentários:
O meu 2011 não foi um mau ano, foi antes um ano difícil Por vezes bastante.
Teve coisas boas, uma delas foi a descoberta deste blogue, que gosto muito.
Um bom 2012 para ti. Beijinhos.
Paty: 2012, será apenas mais 300 e tal dias em que estarei sempre e sempre presente... 24/24 Como um grande Amor...
Susana C.
obrigada pedro e susy, pelos votos. desejo também um ano muito feliz para vocês. beijinhos
Enviar um comentário