A
mão firmada sobre a laranja. A faca dividindo a laranja em duas metades. O espremedor
devolvendo o som do real acolhedor. A consciência de ter novamente o meu corpo
em casa, sólido, firme. Parada e segura em mim, a mão tremendo sobre a meia
laranja, nada mais que isso. A luz da manhã a pico estirada alegre por azulejos
e móveis enche-me os olhos de água. As
lágrimas rolam pelo rosto aturdido pelo calor e vão fundir-se no sumo laranja. Recordo brevemente a minha quase-morte, as noites terríveis e silenciosas, outrora tão
queridas. Uma descida longa, de início desejada com a arrogância de quem sonha
o mundo de coração cerrado, mais tarde temida com cada poro. A difícil
aprendizagem das camadas de sombra que compõem cada abismo que é um ser. Choro
de gratidão. Como uma Eurídice, refazendo com passos ainda inseguros o caminho
de volta para junto dos vivos. Sem Orfeu nem lira, acompanhada apenas por uma
voz na rádio cantando os subúrbios de um passado perfeito em que se acreditou
poder vencer sem jamais perder. Despejo o sumo no copo e enxugo as lágrimas com
as costas da mão. Sento-me à mesa e sorrio do mistério de estar viva e das formas insuspeitadas da comoção. Suspeito que estou quase safa.
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