Parece que a minha alma continua a receber apenas os grandes
abalos russos. OBLOMOV foi a primeira odisseia literária deste inverno e a sua
leitura foi plena de delícias e recompensas.
Como qualquer grande livro, apresenta várias camadas e as
personagens são dotadas de uma densidade psicológica que só os grandes mestres
conseguem traduzir em palavras. Tentando afunilar a coisa, podemos dizer que
OBLOMOV caminha pelas mesmas paisagens que NIELS LYHNE e A EDUCAÇÃO
SENTIMENTAL, dois livros que me são muito caros. Oblomov cativa-me desde os
primeiros capítulos, com a sua figura obesa horizontalmente disposta, tudo
rejeitando, da mundaneidade ao trabalho, passando pela literatura. Como ele não
deixa de ter razão nos seus argumentos (tudo é maçada!), sigo a leitura,
curiosa sobre o destino dessa vida que se deseja apenas poética, imune às
agressões e preocupações miúdas. A questão é que sem a vidinha também não há
vida e tudo sai hipotecado. Il faut avoir
du courage!
“Ela receava cair numa apatia como a de Oblomov. Mas por
mais que tentasse afastar da sua alma esses instantes de periódicos
entorpecimentos, de sono da alma, de vez em quando assediava-a primeiro um
sonho de felicidade, rodeava-a uma noite azul e envolvia-a um devaneio, depois
seguia-se outra vez a paragem meditabunda, como que um repouso da vida, e em
seguida… o receio, o temor, a aflição, como que uma tristeza surda, e soavam na
sua cabeça inquieta questões vagas, brumosas.
Olga escutava-as com atenção, atormentava-se, mas sem
conseguir nada; não podia compreender o que a sua alma pedia e procurava de
tempos a tempos, mas compreendia apenas que pedia e procurava qualquer coisa,
como se – horrível é dizê-lo – tivesse saudades, como se não lhe bastasse uma
vida feliz, como se estivesse cansada dela e exigisse novas experiências
inauditas, espreitando para mais longe no futuro…
«O que vem a ser isto? – pensava com horror. – Que mais é
necessário e possível desejar? Para onde ir? Para lado nenhum! Não há mais
caminho… Será possível que não, será possível que tenhas completado o círculo
da vida? Será possível que aqui esteja tudo… tudo…» - dizia a sua alma e
deixava qualquer coisa por dizer… e Olga olhava à sua volta com inquietação,
não teria alguém descoberto, não tivesse alguém escutado esre murmúrio da alma…
Interrogava com os olhos o céu, o mar, a floresta… não havia resposta em parte
nenhuma: havia apenas a lonjura, a profundeza e a escuridão.
(…)
Ele riu-se.
– Não tenhas medo – disse (…). Não, a tua tristeza, a tua
aflição, se é apenas aquilo que eu penso, é antes um sinal de força… As buscas
de uma mente activa e agitada, irrompem por vezes para lá dos limites da vida,
não encontram naturalmente resposta, e surge a tristeza… o descontentamento
temporário com a vida… Isso é uma tristeza da alma que interroga a vida sobre o
seu mistério… Pode ser isso que se passa contigo… Se assim for, não é nenhuma
tolice.
(…)
– Estou a transbordar de felicidade, desejo tanto viver… e
de repente surge uma espécie de amargura…
– Ah! Isso é o que temos de pagar pelo fogo de Prometeu! Não
basta suportar, é preciso também amar essa tristeza e respeitar as dúvidas e as
questões: elas estão a transbordar de excessos, da exuberância da vida, e
surgem mais no auge da felicidade, quando não há desejos vulgares; não surgem
no meio da vida corriqueira: onde imperam a dor e a necessidade, as pessoas não
têm tempo para isso; as multidões caminham pela vida e conhecem esse nevoeiro
da dúvida, a angústia das questões… Mas para quem se encontrou com elas na
devida altura, não constituem um tormento, antes são visitantes bem-vindas.
– Mas não há maneira de as vencer: elas causam a melancolia
e a indiferença… por quase tudo… –
acrescentou ela com hesitação.
– Não por muito tempo. Depois refrescam a vida – disse ele. – Conduzem ao abismo do qual não
se consegue nenhuma resposta, e fazem-nos olhar de novo a vida com mais amor…
Desafiam forças já experientes para a luta, como que para as não deixar
adormecer…
(…)
– E se elas nunca nos deixarem: se a tristeza nos inquietar
cada vez mais?... – perguntou ela.
– Ora bem, que se há-de fazer? Aceitamo-lo como um novo
elemento da vida… Mas não, isso não acontece, não pode acontecer connosco! Isso
não é a tua melancolia, isso é o mal geral da humanidade.”
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