"Há exercícios para treinar a verdade como, por exemplo, ter medo. Ou então ter fome. Depois restam exercícios para treinar a mentira: todos os grupos são isto, e todos os negócios. Estar apaixonado é outra forma de exercitar a verdade.
Klaus comandava pela primeira vez os negócios da família. Não tinha medo, nem fome, nem estava apaixonado. Cada dia era, pois, um exercício novo da mentira. Já tinha feito a vida real (tinha-a feito como se faz uma construção, algo material), agora começara o jogo: ganhar mais dinheiro ou menos. Nada de essencial: mas a mentira interessante é aquela que quase parece verdade. Klaus sentia a necessidade de transformar aquele jogo em algo fundamental. E faria isso até ao fim. Como fizera antes na guerra e na prisão. Quase que não via, aliás, diferenças nas três situações: era preciso ganhar ou não perder, e ele estava só. Eis tudo."
Foi o primeiro livro de Gonçalo M. Tavares que li. Se gostei ainda não sei, mas que me atingiu em cheio e com força naquilo que mais me move, isso sim, posso afirmar. Em tempos de guerra e angústia como os que vivemos, ninguém sai incólume: "Ninguém escapa à lógica económica. Os ganhos, as perdas, o lucro. Poderá a tua moeda ser estranha – o teu corpo, por exemplo – mas é moeda: utensílio de troca”.
Acredito profundamente que vivemos numa época de guerra total, de um contra todos e que só os mais astutos se salvarão - os mais sensíveis irão apodrecer lentamente nas suas confortáveis camas, com sonhos intermitentes induzidos por ansiolíticos e álcool, por que não sabem, não conseguem ver de que barricadas os miram. É a pior forma da guerra e do mal: dormir com o inimigo sem o suspeitar. Uma arma apontada e visível acaba por ser mais confortável.
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