sábado, 7 de abril de 2012

um falcão no punho


A escrita de Maria Gabriela Llansol enfeitiçou-me. Nela encontro a mesma constelação onde os corpos dos livros se entrelaçam com o desejo, o erotismo e a falta.
“A fase constante de não querer senão olhar com atenção, e ler, passar dias e dias a interrogar os livros (…), enfim, fazer falar com o tempo quem é menos mudo, e alcançar uma coisa que se deseja (…).
Confronto estes dias com o período final da minha adolescência em que sofria de uma doença ligeira de fadiga. Vinda do liceu, ou já em férias, só me restavam forças para, na imobilidade, ler, acrescentando-lhes o gozo ilícito do meu próprio corpo. Sob o signo da falta, eu gozava e lia e, agitando-me, sem violência, nesta contradição fundava a escrita.”
Tenho vinte e nove e sinto-me muito mais velha. Tenho vivido muito, tenho sido muito feliz e muito triste e sei que eu não podia ser de outra forma. Fui uma criança demasiado séria e forte, cresci no campo, no meio de uma guerra, aconchegada pela comunhão dos irmãos, dos cães e dos livros. A adolescência foi dedicada ao riso. Depois, mudei-me para Lisboa, descobri o amor como guerra, depois como faca e, esporádica e brevemente como réstia de ouro. Fui amada e amei mas a inquietação não me deixava sossegar. Era preciso tudo questionar, ir até aos limites para ver se a ideia de liberdade não era uma quimera. Parti, fui viver fora. Fui feliz, fui triste. Regressei cansada. A guerra com os outros tinha terminado. Perdi a esperança, conheci o sentimento de impossível. Entendi que a liberdade existe, é queda livre sem fim. Quebrei. Tive medo, muito medo. E descobri a solidão. E no medo, aprendi a pedir e a receber: a minha maior lição de humildade. E que o grande mistério é não haver mistério nenhum e andarmos todos ligados. Continuo a ter medo mas sinto-me cada vez mais perto de mim e os livros são os amantes a que sempre retorno e onde mais me encontro em Casa.
“o sentimento mais agudo que experimentei, e que me aperta ainda muitas vezes é o de não ter para onde ir, de ter sido cercada pelo desejo de mover-me sem fim; lembro-me que, no tempo em que crescia (…), chamava a mim mesma «a corça prisioneira»; eis a verdadeira natureza do meu espírito. Sou um peso vasto para quem tenha a bondade de fazer-me companhia e, se adquiri e conservei o conhecimento da arte de escrever foi por necessidade, tendo descoberto que a escrita e o medo são incompatíveis.”

Vou agora dedicar-me a aprender a estimar a minha loucura sem me assustar. É só isso que me falta e é tarefa que só a escrita, o grande exercício da Falta, pode cumprir, cumprindo-me. “Escrever não é um protesto de inocência?”

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