Sempre que consigo furtar algum tempo aos dias úteis, gosto de visitar bibliotecas. Agrada-me sentir o silêncio solene que as habita, a claridade que se insinua pelas janelas e, sobretudo, a ideia de que algum livro inesperado ali me aguarda.
Lá dentro, dedico-me a uma espécie de jogo: vagueio pelas várias salas e percorre algumas estantes, enquanto espero que o apelo me alcance. Umas vezes acontece de modo mais demorado mas, regra geral, o silêncio das bibliotecas permite escutar apelos quase inaudíveis.
Depois, é sair de lá, com o livro manuseado encostado ao peito como uma fome, e gozar todos os encantos dessa visitação sagrada.
“Sempre que se escreve, precisa-se de qualquer coisa para se poder escrever. Quer seja a solidão, uma árvore ou uma lixeira ou uma pessoa, há qualquer coisa em que se está fixado. Em última instância, quase sempre em si mesmo. Tudo o mais é disparate. Um cão procura também uma árvore ou a parede de uma casa quando mija. Quando se quer escrever, passa-se algo de semelhante ao que acontece quando se quer verter águas. Procura-se então qualquer coisa e geralmente a pessoa mija-se a si própria, porque isso é o mais natural.
(…)
Interessante
é, no fundo, em toda a parte. Em toda a parte é possível ter impressões. Tudo depende
de cada um. Se uma pessoa é potente ou não. É preciso nesse caso que o interior
corresponda ao exterior e, sobretudo, uma pessoa apresenta-se sempre nua e quer
permanentemente vestir-se com tudo o que escreve. Mas não serve de nada, quanto
mais uma pessoa tenta vestir-se e cobrir-se e agasalhar-se e embrulhar-se, mais
nua se apresenta. Mas, por outro lado, é também um prazer expor-se a isso e
correr assim nu para a rua. E outra coisa não é o que acontece quando se
publicam livros.
(…)
Para
mim não com certeza absolutamente nada impossível no que eu queira escrever,
não há com certeza. Não tenho pudor nenhum ou seja o que for, na verdade já não
o tenho. Quando uma pessoa já não consegue trabalhar, tem de sair e puxar fogo
a qualquer coisa. Primeiro faz-se isso sonambulamente e depois nós próprios nos
admiramos de como isso foi possível.
Só
o que quero é fazer ou ver ainda diversas coisas, quer dizer, nada de novo,
porque de novo não há muito, mas olhar por toda a parte, isso é algo de que se
gosta, até se ficar atordoado. Quando uma pessoa não quer, com frequência,
esses muitos períodos que assim se vivem e se quer matar, o que provavelmente
acontece a cada um… mas, apesar das dificuldades, isto vai sendo realmente cada
vez mais interessante e também mais agradável.”
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