«A mãe, vestida de azul, estava
terrivelmente angustiada. Esperava um
sinal do jardim e o caminho não estava livre. Ninguém poderia entrar enquanto o
seu marido estivesse em casa. Ah, este maridos, este homem de quarenta e um
anos e já calvo! Que mau pensamento o teria posto tão pálido nessa tarde,
deixando-o pregado na cadeira, imóvel, inflexível e com o olhar fixo no jornal?
Ela não tinha um minuto de
descanso, eram onze horas. As crianças já estavam na cama há muito tempo, mas o
marido não se ia embora. O que aconteceria se o sinal soasse, se a porta se
abrisse graças àquela chavinha e os dois homens se encontrassem, face a face,
olhos nos olhos? Não ousava prosseguir o seu pensamento.
Franca pôs-se no canto mais
escuro da sala, torceu as mãos e finalmente disse:
– São onze horas. Se tens de ir
ao clube, é melhor ires já.
Ele levantou-se de imediato,
lívido, e abandonou a sala, e depois a casa.
No jardim, parou e ouviu um
apito, um breve sinal. Depois, passos na gravilha, uma chave na fechadura e
duas sombras projectam-se nas cortinas da sala.
Conhecia bem o sinal, os passos e
as duas sombras na cortina. Não era nada de novo.
Seguiu para o clube. Estava aberto,
havia luz nas janelas, mas não entrou. Durante dois quartos de hora andou para
cima e para baixo pelas ruas e depois, em frente ao jardim, durante dois
intermináveis quartos de hora. «Esperemos mais um quarto de hora», pensou e
prolongou-os de mais dois. Depois entrou no jardim, subiu as escadas e tocou à
porta.
Veio a criada e abriu, pôs a
cabeça de fora e disse:
– A senhora já está… – Subitamente calou-se, ao ver com quem estava
a falar.
– … já está deitada. Está bem. Quer
dizer à senhora que o seu marido chegou a casa?
A rapariga partiu. Bateu à porta
do quarto da senhora e transmitiu a ordem através da porta fechada:
– Venho dizer que o senhor
chegou.
A senhora pergunta de dentro:
– O que diz, o senhor chegou? Da
parte de quem o diz?
– Da parte do senhor, está em
casa.
Ouve-se então um lamento desesperado
dentro do quarto, uma conversa apressada, em voz baixa, uma porta que se aberta
e que se fecha. Depois tudo fica tranquilo.
O senhor entra, a senhora vai ao
seu encontro, com a morte no coração.
– O clube estava fechado – diz ele rapidamente, com compaixão e
piedade. – Mandei a criada para não te
meter medo.
Ela cai numa cadeira, aliviada. O
seu bom coração extravasa e pergunta ao marido como está de saúde:
– Estás muito pálido.
Aconteceu-te alguma coisa? O teu rosto está muito alterado.
– Não, estou a sorrir. A partir
de hoje, será a minha maneira de sorrir. Quero que esta careta seja o meu
sorriso.
Ela ouve estas breves, roucas
palavras e não o compreende. O que pretende ele dizer?
Mas, subitamente, ele abraça-a
com uma força terrível e murmura-lhe ao ouvido:
– E se lhe puséssemos os cornos,
a ele, que já saiu.. se lhe puséssemos os cornos?
Ela dá um grito e chama a criada.
Ele deixa-a com um sorriso calmo e seco, abrindo muito a boca e batendo com as
mãos nos joelhos.
De manhã, o coração da senhora
prevalece de novo e diz ao marido:
– Ontem à noite, tiveste um
comportamento estranho. Já passou, mas ainda estás pálido.
– Sim – responde ele, – é cansativo ter graça na
minha idade! Nunca mais o farei.»
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