segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Os Irmãos Karamázov


Os livros de Dostoiévski funcionam como um espelho onde leio as minhas perturbações interiores e saio mais esclarecida.
Como já disse várias vezes, depois de ter lido Crime e Castigo tornou-se muito complicado encontrar um livro bom capaz de me satisfazer.  Depois de errar por outros livros, decidi que talvez Os Irmãos Karamázov conseguissem destronar o sortilégio de Raskólnikov.
Reflectindo a mesma preocupação essencial do Crime e Castigo, este romance abdica da ideia de uma redenção final. O conflito trazido pelo nihilismo torna-se aqui mais cru e irreconciliável. Desta feita, nem a religião e o amor salvam as personagens das suas paixões furiosas.
Para mim, Os Irmãos Karamázov lê-se como um policial existencialista magistral. Os primeiros dois tomos colocam-nos em suspense, avisando-nos de um crime que será cometido. Ou foi já cometido? Não tendo conseguido destronar O Crime e Castigo, este livro ajudou de algum modo a clarificar o móbil do crime, isto é, o problema do nihilismo tal como o entendia o escritor russo. Em ambos os romances, as vítimas são usurários, pessoas que aumentam os seus capitais à custa da sua desonestidade para com terceiros.
A afecção principal que dominava Raskólnikov era o orgulho ferido. A fúria de Dimitri Karamázov e a indiferença cultivada de Ivan Karamázov são irmãs desse orgulho maculado por uma injustiça social mascarada sob a ideologia do progresso moderno. Os arrebatamentos maníacos destas personagens testemunham uma época de transição em que as premissas mundo antigo chocam com a modernidade que se estabelece. «Honra», «consciência», «dever» tornam-se meras palavras aristocratas que os modernos deixam de compreender, porque não podem conciliar-se com os objectivos mercantilistas.

Aqui todos acabam destroçados, acossados por febres nervosas e raiva. A vida moderna exige a falência de todos os valores para que nenhum totalitarismo se possa opor a um mercado livre. Acontece que os valores tradicionais, apesar de limitarem a potencialidade individual, asseguravam a comunidade. O sistema capitalista requer a premissa de que tudo é permitido, tendo como efeito colateral uma certa institucionalização do crime que torna todos criminosos, tanto os que alinham como os que desalinham. Num mundo que perdeu o valor da promessa, «a palavra de honra», ninguém se salva. Quem se continua a guiar por tais valores, é tomado por louco ou idiota, vociferando palavras que já ninguém entende.

1 comentário:

Lenas Ues disse...

boa tarde Madame, acabei de conhecer a existência de seu blog e já me encantei!!! Sou brasileiro, leitor também, e estou lendo agora Os Irmãos Karamazov. Sou apaixonado por Dostoievski e sua literatura da alma. Espero que possamos compartilhar nosso amor pela boa literatura. abraços