Os livros de Dostoiévski
funcionam como um espelho onde leio as minhas perturbações interiores e saio
mais esclarecida.
Como já disse várias vezes,
depois de ter lido Crime e Castigo tornou-se muito complicado encontrar um
livro bom capaz de me satisfazer. Depois
de errar por outros livros, decidi que talvez Os Irmãos Karamázov conseguissem
destronar o sortilégio de Raskólnikov.
Reflectindo a mesma preocupação
essencial do Crime e Castigo, este romance abdica da ideia de uma redenção
final. O conflito trazido pelo nihilismo torna-se aqui mais cru e
irreconciliável. Desta feita, nem a religião e o amor salvam as personagens das
suas paixões furiosas.
Para mim, Os Irmãos Karamázov
lê-se como um policial existencialista magistral. Os primeiros dois tomos
colocam-nos em suspense, avisando-nos de um crime que será cometido. Ou foi já
cometido? Não tendo conseguido destronar O Crime e Castigo, este livro ajudou
de algum modo a clarificar o móbil do crime, isto é, o problema do nihilismo
tal como o entendia o escritor russo. Em ambos os romances, as vítimas são
usurários, pessoas que aumentam os seus capitais à custa da sua desonestidade
para com terceiros.
A afecção principal que dominava
Raskólnikov era o orgulho ferido. A fúria de Dimitri Karamázov e a indiferença
cultivada de Ivan Karamázov são irmãs desse orgulho maculado por uma injustiça
social mascarada sob a ideologia do progresso moderno. Os arrebatamentos
maníacos destas personagens testemunham uma época de transição em que as
premissas mundo antigo chocam com a modernidade que se estabelece. «Honra»,
«consciência», «dever» tornam-se meras palavras aristocratas que os modernos
deixam de compreender, porque não podem conciliar-se com os objectivos
mercantilistas.
Aqui todos acabam destroçados,
acossados por febres nervosas e raiva. A vida moderna exige a falência de todos
os valores para que nenhum totalitarismo se possa opor a um mercado livre.
Acontece que os valores tradicionais, apesar de limitarem a potencialidade
individual, asseguravam a comunidade. O sistema capitalista requer a premissa
de que tudo é permitido, tendo como efeito colateral uma certa
institucionalização do crime que torna todos criminosos, tanto os que alinham
como os que desalinham. Num mundo que perdeu o valor da promessa, «a palavra de
honra», ninguém se salva. Quem se continua a guiar por tais valores, é tomado
por louco ou idiota, vociferando palavras que já ninguém entende.
1 comentário:
boa tarde Madame, acabei de conhecer a existência de seu blog e já me encantei!!! Sou brasileiro, leitor também, e estou lendo agora Os Irmãos Karamazov. Sou apaixonado por Dostoievski e sua literatura da alma. Espero que possamos compartilhar nosso amor pela boa literatura. abraços
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