sábado, 27 de fevereiro de 2016

morfolofalando


adeus pêlo lento. adeus Micas de luas exactas.
adeus estilhaço do teu olhar no meu gosto.
adeus o que ouço incendiado e beijo às avessas e inútil.
adeus aquele ruído do sexo nos lençóis do retrato.
adeus o que em mim sabe sacramamentado na boca.
adeus o que dói no talento frágil do sangue
ou é sobretudo perder-te cem por cento na cama.
merdaputice de nutrição revolucionariamentemerda.
ah (meus caros) adeus na retrete.
(mínimo e sujo) pouco de futuro
por entre o mau cheiro das nutridas granadas.
adeus antes do cansaço de parecer só macho
ou fêmea ou pederasta ou português.
adeus dona Verónica à janela morrendo um
astro entre o pudorinado das pernas.
dona Verónica o que é que importa? para quê
as travessas quando as criadas já não amanhecem?
as horas cercadas? a estranha madeira dos gestos?
aquele gajo que me mandou para a puta que o pariu?
a altura do acaso nos pulsos ou aquela canção que já não presta?
para quê dona Verónica? para quê?
claro que só sei o não do que tanto acontece:
telegrama de espanto
rasto de cornos
loucura de nata.
dona Verónica não vale a pena (garanto)
a lua se pôr de prata.
para que serve essa bandeira metade camisa metade salsa?
não será melhor encher por fora todos os sacos?
ahhhhh (meus amigos) trago comigo a desfraldada
mágoa dum animal secreto: ânsia tesa no sexo.
escondo-me dos guardas e da fomerda dos outros.
são uns sacanas todos
pedem-me o passaporte que mijado já não serve.
adeus amigos. vou ser parecido a mim próprio
com fulaninhas de leitamas e os pés em flash-back.
com toucinho e mostarda e bem sentado à mesa.
enrascado nas calças (é certo) mas de paladar correcto
para reclamar o prato que já não faz falta.
e se me sai a lotaria vou p'rá cama com
os repolhos da criada e compro mamas na praça.
assim mesmo (raios me partam) semelhante
de maçada e caspa com licença e bagaço.
mas (concerteza) nojento e parecido
de baba e paisagem nesta chatice com céu e gravata
em tudo que não me importa.
sem dúvida que trago o bilhete
com a alma descascada na paragem do autocarro.
e estou-me nas tintas: libertarde e caspa.
ou espermaneço rasca no tesão duma maneira
que certamente já não se pode.
adeus Ferreira e a tua sociedade plutocaca
com meninos sacanas e donzelas de fina lata.
mas contigo Fagundes é um tanto diferente:
eras pela revolução pela limpeza pela luta
e fazias estátuas de alegria e
mapas de pura aragem sobre as mesas das tascas.
é claro que ouço: os militares marcham
a escada sobe e a rua passa.
adeus Juca prémio de ti mesmo no
calendário da tua presença. foste para mim o espaço dum
espelho exactamente atrás da porta. sabias?
e um estupor também.
adeus Juca pela clara indecência
com que te puseste na minha memória.
sei que estás vivo no céu do teu auto-retrato
com gajas boas e as cricas e as fufas
e as garotas inventadas de dias e buracos.
e trazes o teu fantasma cornudo de lume
na ocasião em que fornicas. adeus amigo.
poooooooooooooooooorrrrrrraaaa: tudo p'ró penico.
nada de adjectivos nem gramamamática
em nenhuma ocasião.
adeus velhos amigos cozinhados de audácias
e caras enfeitadas com segredos de pissas.
não vou partir nem ficar. nem cus nem tomates.
nada de ilusões. não há muito para desentender:
vamos ao médico ou não temos pressa.
mas talvez não se passe de novo do povo ou do insecto
no fato
com a verdade pouca na máquina de lavar roupa.
talvez com cagaço e azeite e ocidental e direito.
ou mamas com grão mesmo frias e da véspera.
será que o essencial fica emprestado ou no céu do quarto
ou então no assombro de perfil com água errada na gaveta?
ou mesmo que haja outra lâmpada no estilo do gosto
o mais importante (acredita) vai dos dedos até à garganta.
depois deito-me usado na cama:
cachorro coitado do rabo até à cabeça
com esta puta da vida que nunca me basta.

António Aragão
PÁTRIA. COUVES. DEUS. ETC.

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