Os anos passam. Mais de duas décadas a ler-te e,
embora me continue a acercar das tuas palavras com o mesmo sentimento de
solenidade profana, parece-me que a cada novo encontro adivinho um pouco mais
do teu mistério.
UMA CERVEJA NO INFERNO
Outrora,
se estou bem lembrado, a minha vida era um festim em que todos os corações se
abriam, em que todos os corações se abriam, em que todos os vinhos cintilavam.
Uma
noite, sentei a Beleza nos meus joelhos. – E vi que era amarga. – E injuriei-a.
Armei-me
contra a justiça.
Fugi.
Ó feiticeiras, ó miséria, ó ódio, foste vós a guarda do meu tesoiro!
Consegui
destruir em mim toda a esperança. Contra toda a alegria lancei o bote cego da
besta feroz. Estranguladas!
E chamei os carrascos para morder,
na agonia, a coronha dos fuzis. Conjurei as pragas para sufocar na areia,
mergulhar em sangue. O infortúnio foi o meu deus. Estiracei-me na lama. Sequei
ao ar do crime. E preguei boas peças à loucura.
E a primavera trouxe-me a terrível
risada do idiota.
Ora, ultimamente, prestes a lançar à
cara do planeta o derradeiro estalo, lembrei-me de ir buscar a chave do festim
(talvez me regressasse o antigo apetite?).
Caridade – é a chave. Uma inspiração
destas prova que sonhei!
«Permanecerás hiena, etc…», ruge o
demónio que me coroava de tão amáveis papoilas. «Morre feliz ao lado dos teus
apetites, com todo o teu egoísmo, com todos os melhores pecados capitais.»
Ah! tomei tanto disso… – Mas, meu
caro Satã, não carregueis tanto o sobrolho! e enquanto esperais ainda uma que
outra miséria vinda atrasada por motivo de obras, vós, que apreciais no
escritor a mais selecta ausência de faculdades descritivas ou pedagógicas, aqui
tendes para já, especialmente arrancadas, estas odiosas folhas do meu canhenho
diário de danado.
Sem comentários:
Enviar um comentário