“Tornámo-nos, desde então, uma sociedade singularmente
confidente. A confissão difundiu longe os seus efeitos: na justiça, na
medicina, na pedagogia, nas relações familiares, nas relações amorosas, na
ordem mais quotidiana e nos ritos mais solenes; confessam-se os crimes,
confessam-se os pecados, confessam-se os pensamentos e os desejos, confessam-se
o passados e os sonhos, confessa-se a infância, confessam-se as doenças e as
misérias; as pessoas esforçam-se com a maior exactidão por dizer o que há de
mais difícil de dizer; confessam-se em público e em privado, aos pais, aos
educadores, ao médico, àqueles que amam; a si próprias fazem, nos prazeres e
nos desgostos, confissões impossíveis a qualquer outro, e com que se fazem
livros.
[…]
Diz-se muitas vezes que não fomos capazes de imaginar
prazeres novos. Inventámos pelo menos um prazer diferente: prazer na verdade do
prazer, prazer em sabê-la, em expô-la, em descobri-la, no fascínio por vê-la,
em dizê-la, em cativar e capturar os outros por ela, em confiá-la em segredo,
em detectá-la pela astúcia; prazer específico no discurso verdadeiro sobre o
prazer (…). Os livros sábios, escritos e lidos, as consultas e os exames, a
angústia para responder às perguntas e as delícias em sentir-se interpretado,
tantas narrativas feitas a si próprio e aos outros, tanta curiosidade, tão
numerosas confidências cujo escândalo é aguentado pelo dever da verdade, não
sem tremer um pouco, o pulular de fantasias secretas em que se paga tão caro o
direito de as murmurar a quem as sabe ouvir, numa palavra, o formidável «prazer
da análise» (no sentido mais lato desta última palavra) que o Ocidente há
vários séculos sabiamente fomentou”.
Michel Foucault, História da Sexualidade I. A Vontade de Saber
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