sexta-feira, 19 de outubro de 2012

“Adquirir a sua alma na paciência”


Lisboa, 19 de Outubro de 2012

Estimado Poeta,

Não tenho outro modo de lhe agradecer as cartas que escreveu há mais de um século. Embora endereçadas a outro jovem aspirante a poeta, as suas palavras trouxeram-me uma alegria preciosa. Os seus conselhos, sempre tão ternos e sábios, afiançam-me que conheceu enormes fadigas e pesadas tristezas e que a certo ponto, decidiu não desesperar e confiar nesse negrume que o abraçava. Tem razão quando afirma que se deve fazer da solidão “uma casa à luz do cair da tarde ou do amanhecer, por onde os ruídos dos outros passa à distância”. Tudo o que é genuíno e grande começa nessa solidão desmedida.

A tristeza é o momento em que qualquer coisa de novo e desconhecido penetra em nós, como uma tempestade primaveril que entra pelos escaninhos da alma, sorrateira, aí se instalando com toda a lentidão e silêncio enquanto prepara o seu parto, no centro do ser. “Tudo se resume a levar ao fim a gravidez e depois dar à luz. Deixar medrar cada impressão, cada semente de uma emoção, dentro de nós, no escuro, no inefável, no inconsciente, inacessível ao próprio entendimento, e com profunda humildade e paciência aguardar a hora do parto de uma nova claridade: apenas assim se vive artisticamente, no entendimento como na criação (…) O Verão chegará. Mas apenas para quem esperou pacientemente, para quem aqui permaneceu como se à sua frente se estendesse, sem cuidados, silenciosa e imensa, a eternidade. Todos os dias aprendo esta lição, aprendo-a pelo sofrimento que aceito com gratidão: a paciência é tudo!

A solidão será difícil de suportar, mas o esforço será recompensado. Nas horas mais escuras, haverá a tentação de a trocar uma qualquer convenção ou conveniência, mais vulgar e fácil, menos dispendiosa e arriscada. Mas é preciso confiar e amar a pergunta que nos nasceu, velar pacientemente pelo seu crescimento pois, como tão sabiamente nos repete, a vida tem sempre razão.

Portanto, não nos agitemos demasiado: renascer leva o seu tempo. A turbulência acabará, eventualmente, por amainar, restando a sua face infinita, devolvendo-nos o olhar que um dia lançámos para fora. Depois de atravessarmos a nossa solidão, seremos talvez capazes de alcançar um amor mais humano, “o amor de duas solidões que se protegem, delimitam e saúdam”.

Quem poderá dizer o que daqui sairá? Ninguém, este é um caminho que tacteamos, sozinhos e desamparados. “O futuro é um eixo fixo (…) mas nós deslocamo-nos no espaço infinito”. Cada um por si. Conforta-me, no entanto, saber que andou pelas imediações e que achou tranquilidade e ternura para falar disso. A minha grande solidão levou-me até si; leitora ávida, raramente sonho com referências literárias, mas há cerca de um ano, numa dessas noites eternas que mastigam o corpo e a alma, uma voz visitou-me enquanto dormia, recomendando-me que tornasse a ler as Elegias a Duíno. No dia seguinte, obedeci de imediato ao ditado onírico e a minha alma foi convalescendo, consolada pelas suas palavras.

Eternamente sua,

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