“Estamos não na Primavera,
nem no Verão, nem no Outono, mas no pico do Inverno. Este é um ponto muito importante
na ciência da felicidade. E surpreende-me ver pessoas que não se importam com isso
e que até se felicitam por o Inverno estar a acabar ou, se ele está a decorrer,
por ser muito rigoroso. Eu, pelo contrário, todos os anos rezo a pedir ao céu o
máximo de neve, granizo, gelo e tempestades que ele possa dar-nos. Todos, é claro,
sabem dos divinos prazeres que nos esperam no Inverno ao canto da lareira; as velas
que se acendem às quatro horas, o calor da alcatifa, o chá, a formosa pessoa que
o faz, os reposteiros corridos, as pregas das cortinas a roçar o chão, enquanto
o vento e a chuva rugem lá fora
E parecem bater às portas e janelas,
Como se terra e céu um só quisessem ser;
Mas não podem entrar, não encontram por onde,
Nada poderá invadir o nosso doce abrigo.
(Castle of
Indolence)”
Thomas De Quincey, Confissões
de um Opiómano Inglês
“Sentíamo-nos perfeitamente
bem ali no quente, tanto mais que lá fora, e no próprio quarto, sem aquecimento,
reinava um frio cortante. A este respeito acrescento que para se gozar plenamente
o calor é indispensável ter uma parte do corpo exposta ao frio; porque neste mundo
a única medida de valores é a que resulta do contraste. Em si, nada existe. Se uma
pessoa se vangloria de um conforto pleno e perene, isso é o mesmo que afirmar que
não se encontra mais em condições de avaliar o que é o conforto. Mas se, à semelhança
de Queequeng e de mim próprio, uma pessoa se encontra na cama com a ponta do nariz
e o alto da cabeça ligeiramente friorentos, então, na verdade, essa pessoa pode
afirmar com toda a consciência que sente o mais delicioso e inequívoco calor. Por
este motivo um quarto de cama nunca devia dispor de aquecimento, que é um dos luxuosos
desconfortos dos ricos. Porque a suprema delícia é não ter, entre o nosso corpo
e o frio exterior, outra coisa além de cobertores. Então podemos dizer que somos
como uma fonte de calor incrustada no cerne de um cristal do Ártico.”
Herman Melville, Moby
Dick
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