segunda-feira, 17 de outubro de 2011

de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo.



é impressionante as vezes que tenho morrido nesta vida. tantas que já não tenho medo da dor - aprendi que é a condição dos vivos e dos alegres.


"(...) não tenha medo da desarticulação que virá. Essa desarticulção é necessária para que se veja aquilo que, se fosse articulado e harmonioso, não seria visto, seria tomado como óbvio. Na desarticulação haverá um choque entre você e a realidade, é preferível estar preparada para isso, Lóri, a verdade é que estou contando a você parte do meu caminho já percorrido. Nos piores momentos, lembre-se: quem é capaz de sofrer intensamente, também pode ser capaz de intensa alegria. Se você quer ver os peixes, Loreley, vamos."
Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres


e fodam-se os budistas.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Ah, diz-me a verdade acerca do amor

Há quem diga que o amor é um rapazinho,
E quem diga que ele é um pássaro;
Há quem diga que faz o mundo girar,
E quem diga que é um absurdo,
E quando perguntei ao meu vizinho,
Que tinha ar de quem sabia,
A sua mulher zangou-se mesmo muito,
E disse que isso não servia para nada.

Será parecido com uns pijamas,
Ou com o presunto num hotel de abstinência?
O seu odor faz lembrar o dos lamas,
Ou tem um cheiro agradável?
É áspero ao tacto como uma sebe espinhosa
Ou é fofo como um edredão de penas?
É cortante ou muito polido nos seus bordos?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

Os nossos livros de história fazem-lhe referências
Em curtas notas crípticas,
É um assunto de conversa muito vulgar
Nos transatlânticos;
Descobri que o assunto era mencionado
Em relatos de suicidas,
E até o vi escrevinhado
Nas costas dos guias ferroviários.

Uiva como um cão de Alsácia esfomeado,
Ou ribomba como uma banda militar?
Poderá alguém fazer uma imitação perfeita
Com um serrote ou um Steinway de concerto?
O seu canto é estrondoso nas festas?
Ou gosta apenas de música clássica?
Interrompe-se quando queremos estar sossegados?
Ah! diz-me a verdade acerca do amor.

Espreitei a casa de verão,
E não estava lá,
Tentei o Tamisa em Maidenhead
E o ar tonificante de Brighton,
Não sei o que cantava o melro,
Ou o que a tulipa dizia;
Mas não estava na capoeira,
Nem debaixo da cama.

Fará esgares extraordinários?
Enjoa sempre num baloiço?
Passa todo o seu tempo nas corridas?
Ou a tocar violino em pedaços de cordel?
Tem ideias próprias sobre o dinheiro?
Pensa ser o patriotismo suficiente?
As suas histórias são vulgares mas divertidas?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

Chega sem avisar no instante
Em que meto o dedo no nariz?
Virá bater-me à porta de manhã,
Ou pisar-me os pés no autocarro?
Virá como uma súbita mudança de tempo?
O seu acolhimento será rude ou delicado?
Virá alterar toda a minha vida?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.


W.H. Auden

QUANDO O CAÇADOR SE TORNA CAÇA





Caçador que sais para a floresta com a mente fortalecida pela solidão, acautela-te! Vigia sobretudo o teu orgulho e desprezo, pois será através deles que te converterás, pela perseguição, em caça! “Recorda-te: alguns dão apenas um pouco, mas esse pouco custa-lhes muito a dar; outros conseguem dar muito, mas isso não lhes custa nada, e agora qual deles terá dado mais?” (p.89).


Mais não consigo ou não posso escrever sobre este livro belo, enigmático e trágico. Como a estranha transmutação alquímica que acontece, uma vez na vida, a todos os caçadores vorazes. A beleza da caça é o desmembrar de todas as garantias de segurança, em que os papéis tradicionais do Senhor e do Escravo colapsam, desnudando todo um fundo de dependências e martírios. Que responde por vários nomes, sendo o amor uma das possibilidades.

Um dos grandes livros da minha vida: daqueles que impõem um silêncio devoto.