terça-feira, 26 de junho de 2012

sexta-feira, 22 de junho de 2012

terça-feira, 19 de junho de 2012

sexta-feira, 15 de junho de 2012

il faut croire pour danser


CONDE: Felicidade? Por favor, senhora. Não há felicidade. As coisas de que mais se fala são precisamente as coisas que não existem… Por exemplo, o amor. Essa também é uma delas.

ACTRIZ: Se calhar tem razão.

CONDE: Prazer… ebriedade… pronto, escusado será dizer… isso são coisas certas. Estou a fruir de alguma coisa… bom, sei que estou a fruir. Ou estou inebriado, belo. Também é certo. E quando acabou, acabou de vez.

(…)

CONDE: Certo. Portanto, como eu disse, a diferença não é lá muita. Se eu à noite for para o casino ou o clube, é tudo a mesma coisa.

ACTRIZ: E qual a relação entre isso e o amor?

CONDE: Quando se acredita nisso, há sempre alguém ao lado que gosta de nós.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Coração, caçador solitário

“Que diria a Pórtia se soubesse que sempre tinha havido alguém, um depois do outro? E todas as vezes era como se uma parte dela estoirasse em cem pedaços.

[…]

Pensou e repensou, sempre a bater nas coxas com os punhos fechados. Sentia a cara como se a tivesse dividida em bocados separados e a não pudesse manter direita. Era uma sensação mil vezes pior que a fome, e no entanto era com a fome que isto se parecia. “Eu quero… eu quero… eu quero…”, repetia, sem poder pensar noutra coisa: mas o que fosse esse querer não saberia dizê-lo.”



quarta-feira, 6 de junho de 2012

As Anotações de Malte Laurids Brigge



Um homem de 28 anos, dinamarquês, chega à grande cidade, Paris, num estado frágil. Vem para empreender uma grande aprendizagem. A cidade está cheia de hospitais e cheira a medo por todos os muros e recantos. Os ruídos não o deixam adormecer de noite mas há também o grande silêncio terrível. A grande transformação começa pelas ruas, pelo olhar que aprende a ver os rostos e os não-rostos.
“Mas aquela mulher, aquela mulher: estava completamente ensimesmada, de cabeça inclinada para a frente, sobre as mãos. Foi na esquina da rue Notre-Dame-des-Champs. Assim que a vi comecei a andar sem fazer ruído. Quando os pobres se põem a pensar não se deve incomodá-los. Talvez acabem por lembrar-se.
A rua estava vazia de mais, o seu vazio aborreceu-se e retirou-me o passo debaixo dos pés e pôs-se a bater com ele, aqui e acolá, como se fosse uma tamanca. A mulher assustou-se e saiu do seu ensimesmamento, demasiado depressa, com demasiada violência, de tal modo que o rosto lhe ficou nas duas mãos. Eu podia vê-lo nessa posição, ver a sua forma oca. Custou-me um esforço indescritível fixar o olhar apenas nas mãos e não o levantar para ver o que delas se tinha arrancado. Sentia o pavor de ver um rosto por dentro, mas tinha um medo ainda maior de uma cabeça nua e em carne viva, sem rosto.”
Malte tem medo. Sabe que a morte foi seriada mas não perdeu a sua dificuldade. Escreve as noites contra o medo. Esquece as suas recordações e aguarda pacientemente o seu regresso. Separa-se de tudo e de todos. Com as palavras de Baudelaire, reza a Deus. Tudo o que se perdeu na infância retorna, os perigos passados tornam-se novamente presentes.
"A existência do terrível em cada partícula de ar. Tu respira-lo com a sua transparência; mas ele condensa-se em ti, endurece, assume formas pontiagudas e geométricas entre os órgãos; pois todas as torturas e terrores cometidos em lugares de suplício, nas câmaras de tortura, nos manicómios, nas salas de operações, debaixo dos arcos das pontes no fim do Outono: tudo isso é de uma resistente intemporalidade, tudo subsiste e se agarra, ciumento daquilo que é, à sua terrível realidade.”
Malte não tem para onde ir, o seu coração expulsa-o de si mesmo. A vida torna-se indistinta e incomunicável. Pressente, no entanto, uma bem-aventurança próxima,  nas Amantes, as poderosas Amante, como Gaspara Stampa e Mariana Alcoforado e nos seus amores que não precisam de qualquer correspondência, porque são chamamento e resposta; as imortais amantes que ultrapassam sempre o amado pela felicidade da sua entrega, porque sabem já que a união de dois seres nada mais pode trazer do que um acréscimo de solidão.
“O que sabiam eles sobre quem ele era? Ele era agora extremamente difícil de amar e sentia que só Alguém o poderia fazer. Mas esse ainda não queria.”

segunda-feira, 4 de junho de 2012

"while Wilde is on mine"

Do erotismo da leitura


“Estou sentado a ler um poeta. Há muitas pessoas na sala, mas passam desapercebidas. Estão embrenhadas nos livros. Por vezes movimentam-se nas páginas como quem está a dormir e se volta entre dois sonhos. Ah, como é verdadeiramente bom estar entre pessoas que lêem. Porque é que elas não são sempre assim? Podes aproximar-te de uma e tocar-lhe ao de leve: ela nada sente. E se, quando te levantares, deres um leve empurrão ao vizinho do lado e pedires desculpa, ele faz um gesto de assentimento para o lado de onde veio a tua voz, o seu rosto vira-se para ti e não te vê, e tem o cabelo como o de alguém que está a dormir. Como isto faz bem! E eu estou sentado e tenho um poeta. Que destino!”

Rainer Maria Rilke, As Anotações de Malte Laurids Brigge

Da compulsão de ler


“E quando voltei a Ulsgaard e vi todos aqueles livros, atirei-me a eles, com enorme pressa, quase com má consciência. Aquilo que mais tarde senti com tanta frequência, pressenti-o então de alguma maneira: que não se tinha o direito de se abrir um livro sem se comprometer a lê-los todos. A cada linha abria-se o mundo. Antes dos livros ele encontrava-se intacto, depois deles talvez de novo completamente inteiro.”

Rainer Maria Rilke, As Anotações de Malte Laurids Brigge

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Do prazer de confessar

“Tornámo-nos, desde então, uma sociedade singularmente confidente. A confissão difundiu longe os seus efeitos: na justiça, na medicina, na pedagogia, nas relações familiares, nas relações amorosas, na ordem mais quotidiana e nos ritos mais solenes; confessam-se os crimes, confessam-se os pecados, confessam-se os pensamentos e os desejos, confessam-se o passados e os sonhos, confessa-se a infância, confessam-se as doenças e as misérias; as pessoas esforçam-se com a maior exactidão por dizer o que há de mais difícil de dizer; confessam-se em público e em privado, aos pais, aos educadores, ao médico, àqueles que amam; a si próprias fazem, nos prazeres e nos desgostos, confissões impossíveis a qualquer outro, e com que se fazem livros.
[…]
Diz-se muitas vezes que não fomos capazes de imaginar prazeres novos. Inventámos pelo menos um prazer diferente: prazer na verdade do prazer, prazer em sabê-la, em expô-la, em descobri-la, no fascínio por vê-la, em dizê-la, em cativar e capturar os outros por ela, em confiá-la em segredo, em detectá-la pela astúcia; prazer específico no discurso verdadeiro sobre o prazer (…). Os livros sábios, escritos e lidos, as consultas e os exames, a angústia para responder às perguntas e as delícias em sentir-se interpretado, tantas narrativas feitas a si próprio e aos outros, tanta curiosidade, tão numerosas confidências cujo escândalo é aguentado pelo dever da verdade, não sem tremer um pouco, o pulular de fantasias secretas em que se paga tão caro o direito de as murmurar a quem as sabe ouvir, numa palavra, o formidável «prazer da análise» (no sentido mais lato desta última palavra) que o Ocidente há vários séculos sabiamente fomentou”.
Michel Foucault, História da Sexualidade I. A Vontade de Saber