sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Há tantos anos que não se via uma reentrée literária assim

Tenho sempre uma lista de livros que quero adquirir e há muito tempo que não me acontecia querer tantas novidades.

Algumas já tenho e li: Mistérios de Knut Hamsun (Cavalo de Ferro), Abismo (Antígona), O Livro do Desassossego (Tinta-da-China), Alfabetos (Quetzal), o número 2 da Granta portuguesa (Tinta-da-China), o segundo tomo da História da Minha Vida do Casanova (Divina Comédia).

Outras são as que quero muito, já seleccionadas com um grande esforço: Dicionário dos Lugares Imaginários (Tinta-da-China), Atlas do Corpo e da Imaginação (Caminho), A Irmã (D. Quixote), O Barril Mágico (Cavalo de Ferro), Deixa Lá/Más Novas (Sextante) e A Potência do Pensamento (Relógio d'Água) e A Minha Luta (Ahab).

Ou mos oferecem pelo Natal ou vou roubar.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Só acredito numa revolução dos falhados


"And worse I may be yet. The worst is not so long as we can say «This is the worst».
King Lear, Shakespeare

Não conhecia Jean Meckert nem nunca tinha ouvido falar dele. Felizmente, a Antígona publicou recentemente um livro de contos do autor para colmatar a minha ignorância. Gostei dos três contos, particularmente do que dá título ao livro.

"Se fordes simpáticos, dir-vos-ei que, para conhecer o sentido do mundo, é preciso que ele vos tenha mostrado o cu. E ainda não haveis descido tão baixo para isso.
Pela minha parte, venho de lá e orgulho-me disso. Estou blindado, imunizado para sempre. Vomitei para a consumação dos séculos; agora já nada me mete medo. As náuseas são para os que descem, e não para os que sobem.
À força de ficar sozinho no me canto, dei não sei quantas vezes a volta à minha caixa craniana, no interior, caminhando no tecto.
(...)
Lá no fundo aprendem-se coisas. No interior, passa-se o contrário da vida vulgar: quanto mais se desce, mais o panorama se alarga. As ideias mais famosas situam-se no último círculo do inferno."

Um livro que se recomenda pela autenticidade desempenada e genica com que expõe a miséria e a raiva de todos os falhados e lixados do mundo. 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

nunca li a ficção deste senhor mas adoro as suas reflexões ensaísticas e sobretudo a sua grande humildade


"Por vezes, pergunto-me de que lado estou, se a minha história é aquela contada em Guerra e Paz ou na Metamorfose de Kafka, ou quem sabe, no Auto-de-Fé de Canetti. Talvez a minha odisseia literária seja aquela que conta a viagem ao nada e o respectivo retorno. Talvez, por isso, os escritores que mais me ensinaram tenham sido os que deram voz imparcial aos matizes mais diversos da vida e às paixões mais antitéticas, à fé e ao nada (...). Desencanto e desilusão não negam, antes filtram como uma peneira as gelatinosas mentiras, a retórica sentimental, a pieguice do coração, com a qual de bom grado enganamos os outros e nos enganamos a nós próprios: esse é talvez, um traço comum aos livros que, desmascarando o vazio em que assenta a realidade e os ouropéis com os quais se pretende dissimulá-lo, ajudam a olhar sem medo esse vazio e também a apercebermo-nos do amor que existe não obstante essa voragem."

Passagem de ano com bicicletas, neve e Van Gogh.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

noites brancas e diabólicas


Comecemos por dois mistérios. O lançamento do último livro de Knut Hamsun editado pela Cavalo de Ferro não figurava nos destaques da reentré literária dos principais suplementos culturais do país. Apanhou-me, portanto desprevenida quando fui à livraria buscar as novidades que planeara ler. A sua capa negra com uma imagem de Munch tinha os olhos postos em mim e não me restava senão devolver o olhar. São assim as peripécias de uma leitora fútil que tende a julgar os livros pela capa.

A chamada misteriosa continuou em casa. O livro estava impertinente por sair da estante para o meu regaço, tendo-me obrigado a adiar outras leituras urgentes. E assim começaram as minhas noites diabólicas com os Mistérios de Knut Hamsun. Não vou explicar o uso deste adjectivo, mas garanto que é o mais próximo desta experiência nocturna de leitura. Terminada a leitura diária, o livro continuava a comunicar comigo, oferecendo-me sonhos perturbados e nervosos. Sonhos que podiam ser tidos como pesadelos, não fosse a sua natureza branca. Só depois de terminar a leitura do livro, li as habituais citações da contracapa. “Mistérios é tão próximo e tão inquietante quando o nosso sonho (ou pesadelo) da noite passada” (New York Times). Que me lembre, nunca tal comunicação inconsciente me tinha acontecido com um livro. Uma proximidade inquietante.

Knut Hamsun é tido por muitos, sobretudo grandes escritores, como um dos maiores. A julgar pela capacidade de me perturbar, parece-me um título merecido. De Mistérios, disse Henry Miller: “está mais próximo de mim do que qualquer outro livro que eu tenha lido”. Talvez Miller tenha sentido a mesma empatia disruptiva que eu senti por Johan Nilsen Nagel, o misterioso estrangeiro que sem nenhuma razão aparente se instala por um período breve numa pequena cidade costeira da Noruega.

Nagel é um homem em luta, uma alma que não alinha com nada, desconfiando de tudo e todos, sobretudo dos «bons sentimentos» e dos grandes homens. «A vida é uma luta contra os monstros que se escondem nos recantos do coração e do cérebro». Nagel não é, como Hamsun disse da personagem, um homem-tipo. Aliás, o que o exaspera é o congelamento dos homens em subjectividades típicas. Nagel ri quando devia chorar, é honesto quando deve ser desonesto e vice-versa. É um homem em desacordo e com os nervos em franja, como qualquer moderno que se preze, movido pelo desejo de fazer algo diferente, algo que estilhace a superfície polida da vida embalsamada nos valores confortáveis da burguesia.

A curta estadia do estranho vai pertubar a paz podre da comunidade. Nagel, com uma enigmática capacidade intuitiva, funcionará como um espelho negro onde os habitantes da cidade podem ler o reflexo dos seus instintos e desejos reprimidos. Quanto ao elemento estranho, esse está condenado à autodestruição. A sua mania de contrariar desemboca na melancólica constatação de que tudo é hipocrisia e ele não é melhor que ninguém. É o preço a pagar por um «bom» coração e uma cabeça volátival, errante.

Sou, como Nagel, uma alma atormentada. Não me acho melhor que os outros mas a maioria exaspera-me com as suas mentiras e hipocrisias. Sou incapaz de reconhecer uma autoridade e não consigo não desafiar. Desde pequena, se alguém me diz que não posso fazer ou dizer algo, trato imediatamente de o fazer ou dizer. Tenho uma personalidade leal mas não houve um amor que eu não traísse. Sinto um profundo desacordo com a vida e a forma como se vive. Embora pessimista, tenho sempre viva a esperança que a vida rompa a sua imobilidade e aflore sobre o gelo da indiferença, exultante.


Tudo isto que foi dito fica aquém do livro de Knut Hamsun. Acontece-me sempre com os livros maiores, aparentados e diabolicamente bem escritos: falta-me o génio para falar do génio.

terça-feira, 5 de novembro de 2013


Terminei ontem de ler. E assim que li a última página voltei imediatamente à primeira. Não vou decifrar todos os mistérios deste livro diabólico mas quero atravessar de novo, com todo o vagar, os seus enigmas.

sábado, 2 de novembro de 2013

Para dançar



“Tenía la impresión de que su cabeza tan pronto era una parada en el camino de otras cabezas, como una diana a la que otros apuntaban, o incluso un aparato que en parte le escapaba, teleguiado por extraños – sus verdaderos propietarios – que lo hacían funcionar y pensar a su antojo. Fuera cual fuese la explicación, por singular y abracadabrante que fuese, lo importante es que ya no era el dueño, y que apenas si estaba «al corriente», o poco más. Ni siquiera sabía «dónde meterse en su cabeza».”