quarta-feira, 11 de março de 2009

O Deserto dos Tártaros



O maior dos luxos está em dispor de tempo – um tempo próprio. Mas o tempo, como já foi dito, é um material perigoso nas mãos de quem não o sabe manejar. Termina-se a leitura de O Deserto dos Tártaros de Dino Buzatti e sentimos o tempo a escorrer pelos nossos dedos, a urgir na sua finitude. Com angústia, percebo pela primeira vez que também eu vou morrer – racionalmente sei que todos morrermos, mas tinha a esperança de que seja algo que só acontece aos outros, afinal a nossa experiência da morte é sempre através da morte dos outros. E temo o desperdício, o deserto donde nada virá a tempo. Medo de não conseguir calvagar o tempo. Medo de perder tempo.
«Terá ainda tempo, Drogo, para vê-la, ou partirá antes? A porta do quarto palpita com um leve estalido. Talvez seja um sopro de vento, um simples remoinho destas noites irrequietas de Primavera. Ou então, talvez seja ela que entrou, com passo silencioso, e agora aproxima-se da poltrona de Drogo. Fazendo um esforço, Giovanni endireita um pouco o busto, ajeita com a mão o colarinho do uniforme, deita mais um olhar para fora da janela, uma olhadela muito breve para arrecadar o seu derradeiro quinhão de estrelas. Depois, no escuro, embora ninguém o veja, sorri.»

domingo, 8 de março de 2009

Corpo e Imagem - Bragança de Miranda



Só nos resta viver mal ou viver poeticamente.


Eu já me decidi. E tu?

O Mestre - Ana Hatherly



«Ser Mestre é uma profissão ingrata. Eu sou um honesto funcionário que ensina tudo o que está escrito mas não tenho sorte nenhuma com os meus alunos. Procuro incutir-lhes no ânimo a submissão às regras do programa, procuro fazê-los aprender tudo o que vem nos livros e tudo o que está previsto como tudo o que se deve aprender e aceitar sem reserva, mas a maior parte dos meus alunos não compreende isso.
(…)
O exame é que conta e quem passa é quem sabe. Depois do diploma é lá com eles, mas antes disso é preciso que os alunos se compenetrem de que é preciso saber tudo o que está escrito para passar no exame. O exame é que conta. O nosso papel é levar os alunos a exame e fazer com que fiquem aprovados. Também isso está escrito.
(…)
O que é preciso é que haja alunos aplicados para haver alguém que passe sempre nos exames finais e justifique a sua existência.
(…)


O Mestre chega à aula irritadíssimo e grita para os discípulos:
- Vocês são todos uns ignorantes!
- Sim, Mestre!
- Vocês não sabem absolutamente nada nem nunca hão-de saber coisa nenhuma!
- Pois não, Mestre!
(…)
- Aprendam o que está escrito, está tudo escrito!
- Mas Mestre, o que nós queremos é cantar, é ver as plantas crescer, as ondas quebrar, as estrelas acender, as nuvens passar, a gente o que quer é sentir os lábios da pessoa amada poisarem no nosso rosto, a gente o que quer é sentir o calor do sol, o fresco da noite, a voz da pessoa amada tinindo nos nossos ouvidos, a ponta dos seus dedos brincando com os nossos cabelos, a gente o que quer é correr à beira do mar, dançar de alegria, comer fruta das árvores, dormir de cansaço, acordar sorrindo, erguer os olhos para dentro e ter alguém a quem amar, algo a louvar, algo a agradecer, algo a dar, alguém a quem agente se dar!...
(…)

- Você não percebe nada de liberdade!
- Pois não, sou um escravo!
- Você é escravo de quê? de quem?
- Somos todos escravos uns dos outros ou de alguma coisa, ao mesmo tempo que escravizamos sempre alguma coisa ou alguém. Esta é que é a base da liberdade: para que alguém suba, alguém tem de descer. É como se o espaço em cima ou em baixo fosse limitado ou tão matematicamente regulado que uma determinada deslocação num nível tivesse de produzir inevitavelmente uma deslocação compensadora. Deve ser para manter as forças a um nível desejável.
- Quais forças?
- As forças da destruição.
(…)

- Talvez, talvez… mas então o nosso pensamento consegue isso?
- Claro, o nosso pensamento pode conseguir tudo.
- Se assim é fico com medo de pensar…
- E tem toda a razão. Para isso é que tem razão.
- Mas então para que quero eu a razão se não me servir dela?
- Tem razão. É muito confuso isto. O melhor é irmos para casa pensar.»

In-Consequências


Era bom não existir um dia por semana.

Mas, não é para isso que servem os domingos?


Hoje tomei a decisão: em cada semana, escolherei um dia aleatório (não me agrada que já tenham predestinado o dia do meu descanso) e suspendo a minha existência. Nesse dia não falarei nem verei ninguém, porque nesse dia os outros ficarão suspensos, juntamente comigo.

Uma medida de sanidade.