sexta-feira, 23 de maio de 2008

Sapho - Costumes de Paris



Escolhi este livro porque no seu prefácio António Lobo Antunes diz tratar-se da mais bela história de amor que leu e, como sempre tive um fraquinho muito especial por histórias de amor plenas de magia, arrebatamento e ruína, não pude deixar de comprar a tal obra e empenhar-me na sua leitura.


Terminada a leitura num dia de ressaca inquietante, fiquei com uma sensação estranha. Afinal, a mais bela história de amor não ultrapassa o retrato de uma intimidade quotidiana entre um jovem aspirante a cônsul, Jean Gaussin, e uma mulher voluptuosa mais velha e mestra nas artes amorosas, Fanny, conhecida por todos os homens como Sapho.


É numa festa parisiense de mascarados que Fanny escolhe o jovem Jean para lhe devotar toda a sua vida e paixão. Durante 5 anos, Jean acredita não amar Fanny, vivendo obececado com a ideia de rompimento, que vai adiando, até se ver completamente enredado na intimidade doméstica que entretanto se firma entre os dois. O fim adivinhei-o desde o início, será Fanny, a amante descontrolada, que irá abandonar o hesitante amado: os que dão e os que amam partem sempre mais levemente dos que recebem, e é nestes que a falta do outro se faz sentir de modo mais agudo com o peso das carícias e palavras de outrora - ser amado e não amar, eis a maior cilada.


As ligações amorosas, aquelas que tendemos a julgar as mais livres e as mais íntimas, colocam mais em jogo do que a pura espontaneidade. Nelas projectamos, todos os nossos fantasmas e tendemos a escolher - ou ser escolhido - por um parceiro que nos toca nas questões mais profundas, que não são nunca as melhores. Gaussin cai na armadilha do ciúme e do vício, sem saber que as suas redes são mais poderosas do que as do amor e empatia. Esta é a história de amor mais honesta que alguma vez li; nela podemos ler a transição de um modelo romântico da coisa para algo que ainda não é possível classificar, embora estejamos todos a trabalhar nisso.


"Pudor, reserva, para quê? Os homens são todos iguais, presas de uma raiva de vício e de corrupção, e este garoto não era diferente dos outros. Engodá-los com aquilo de que gostam é ainda o melhor meio de os segurar. E o que ela sabia, essas depravações do prazer que nela tinham inoculado, Jean, por sua vez, aprendia-as, para as passar a outras. Assim corre o veneno e se propaga, queimadura do corpo e da alma, semelhante a esses archotes de que fala o poeta latino, e que passavam no estádio de mão em mão."


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