domingo, 3 de agosto de 2008

Longe de Veracruz



«Destroçado, regressei a Barcelona.
(…)
Lembro-me como se fosse hoje. Soaram as seis em ponto da tarde naquele maravilhoso relógio da parede que a nossa mãe comprara a um antiquário de Berga. As seis badaladas soaram de forma contundente, como a quererem dizer-me que eram os seis golpes secos que em plena fronte acaba de me dar a vida. Li a graciosa legenda que inscrevera no relógio um artesão anónimo: “Quem me olha demasiado perde o seu tempo.” E sorri levemente, mas notava-se que estava triste. Não era fácil ocultar que estava preocupado. Lembro-me muito bem do que sentia. Pensava: “Alguém me fodeu.” Dizia isto, incapaz de pensar noutra coisa diferente, e repetia: “Alguém me fodeu”. Dizia-o insistentemente e a frase ressoava como doze badaladas juntas, enquanto fechava com força o meu único punho e sustinha a respiração e abafava um grito angustiado, chorando em segredo, ligeiramente transtornado.»

«Levanto-me e vou à janela ver como chove, e digo a mim mesmo que, no fundo, as desgraças dos romances são sempre belas porque nelas não corre sangue autêntico (…) Mas Heine já disse que depois das grandes tragédias acabamos sempre por assoar o nariz».

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