quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Tu e Eu


Eras tu.
Eras tu quando passávamos as tardes no meu quarto abafado no Bairro Alto,
Nus e completos.
Eras tu quando ríamos juntos
E ninguém nos podia derrotar na nossa alegria.
Eras tu naquele dia em que fomos ao cinema
E fomos belos e fortes.
Perfeitos.
Um para o outro.
Companheiros.
Amantes.

Mas também não eras tu.
Não eras tu quando ficavas os dias inteiros em casa,
Amarrotado e sujo,
Espalhando derrota pelas paredes.
Não eras tu quando espumavas raiva
Contra todos os condutores do mundo,
Tentando expiar uma ofensa antiga
Talvez imemorial.
Não eras tu então
E, dentro de mim,
Algo te estranhava e odiava.

Eras tu quando acordavas e me tocavas o rosto.
Não eras tu quando não rias comigo.
Eras tu quando movias mundos só para me ver.
Não eras tu quando me gritavas o quanto me odiavas
E quão má eu tinha sido para ti.
Eras tu quando me olhavas numa ternura canina.
Não eras tu quando me deixavas adormecer sozinha e fria.
Eras tu quando me fazias sentir mulher na certeza de um abraço.
Não eras tu sempre que bebias demasiado.
Eras tu quando me ias buscar ao trabalho e levavas flores.
Não eras tu quando me traías.
Eras tu quando podia ser eu contigo.
E correr livre com o teu cheiro a seguir-me,
Não eras tu quando não podia ser eu.

Eras tu.
Meu pai, meu irmão, meu amigo,
Meu amante.
Não eras tu.
Meu adversário.
Não eras pão, madrugada e sono.
No meio disto tudo,
Deixei de saber quem eras.
E nesta intermitência nos perdemos.
E deixaste de ser tu.

Sem comentários: