domingo, 18 de agosto de 2013

No fundo, temos todos o mesmo baço.


Falava ontem num jantar de amigos que, desde o Outono de 2011, que sou uma leitora frígida, incapaz de atingir o êxtase. Comparando mais uma vez os homens aos livros, há uns que nos fodem de tal maneira que nos tornamos depois insensíveis a outros toques mais desastrados.

Li recentemente Pais e Filhos de Ivan Turgéniev na esperança de me libertar do sortilégio de Rodion Romanovitch Raskólnikov. Tinha esperanças que o «pai» do nihilismo me libertasse. Mas devo confessar que, embora as boutades de Bazárov me tenham divertido bastante, este não chegou a apossar-se sequer de uma ponta de dedo minha.

Na primeira parte do romance, Bazárov é o nihilista perfeito, não deixando nenhuma ponta da argumentação por rematar.

“A educação? – retrucou Bazárov. – Cada pessoa deve educar-se a si mesma, nem que seja como eu, por exemplo... E quanto ao  tempo, porque hei-de eu depender do tempo? Antes dependa ele de mim. Não, meu caro, tudo isso é desleixo, futilidade! E que são essas relações enigmáticas entre o homem e a mulher? Nós, os fisiologistas, sabemos que relações são essas. Tu estudas a anatomia dos olhos: onde ir buscar aqui, como tu dizes, um olhar enigmático? Tudo isso é romantismo, disparate, literatura. É melhor irmos ver o escaravelho.”

Mas uma argumentação perfeita apenas garante um nihilismo teórico e rapidamente desejamos ver Bazárov a embater com as realidades que despreza para vermos como se safa. E eis que este se apaixona por uma dama (essa sim, uma verdadeira nihilista certificada não apenas pelo pensamento mas pela vida) e descobrimos que afinal Pável Petróvitch (figura aristocrata e romântica que Bazárov tanto despreza) e Evguéni Vassílitch aka Bazárov não são assim tão diferentes. Aliás, as damas fatais de ambos partilham algumas semelhanças.

Confrontado com o seu próprio sistema nervoso alterado, Bazárov regressa ao seu orgulho cínico, desta vez afectado por uma raiva redobrada, pois foi batido. Agora sim, é que nos interessa ver o desempenho da sua teoria.

“ – Já que tu não percebes inteiramente, eu digo-te o seguinte: em minha opinião, mais vale partir pedra na estrada do que permitir que uma mulher se apodere nem que seja da ponta de um dedo. Tudo isto é... – Bazárov esteve quase a dizer a sua palavra favorita, «romantismo», mas conteve-se e disse: - absurdo. Tu agora não acreditas em mim, mas eu digo-te: fomos os dois cair numa sociedade de mulheres e foi agradável para nós; mas abandonar essa sociedade é como tomar um banho frio num dia de calor. Um homem não tem tempo a perder com tais futilidades; um homem deve ser fero, diz um excelente ditado espanhol. Pois tu – acrescentou, voltando-se para o mujique sentado na boleia – tu, sabichão, tens mulher?
O mujique mostrou aos dois amigos a sua cara chata e míope.
- Mulher? Tenho. Como não havia de ter mulher.
- E bates-lhe?
- À mulher? Tudo pode acontecer. Sem motivo não se lhe bate.
- Muito bem. E ela, bate-te a ti?
O mujique puxou as rédeas.
- As coisas que tu dizes, senhor. Estás sempre a brincar... – Pelos vistos ofendeu-se.
- Estás a ouvir, Arkádi Nikoláevitch? E a nós os dois espancaram-nos... é no que dá sermos pessoas instruídas.”

E Bazárov safa-se exemplarmente. Curiosamente ou não, será pela ponta desse dedo que tanto recusa ceder à posse de uma mulher, que o tifo entrará para o levar à morte. Porque os nihilistas morrem de fisiologia apenas.

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