sábado, 11 de janeiro de 2014

Da leitura como atropelamento


O Sermão sobre a Queda de Roma é um  romance que mistura filosofia e literatura, luz e trevas. Escrito com um dos ritmos mais rápidos que vi em matéria escrita, captura o humano nas suas contradições mas não nos deixa tempo para parar nessa comoção.

"Marcel tem vergonha da sua lucidez e do seu cinismo e, na claridade da manhã, tem vergonha outra vez, vergonha do seu coração mole, do seu coração cheio de trevas, tem vergonha diante de André por ter sido um tão desvalido guerreiro, e tem vergonha da sua sorte desprezível, e vergonha ainda de nem sequer ser capaz de se regojizar com isso, olha para André com um respeito invejoso, e tem vergonha de o receber naquela aldeia miserável, todos os convidados da boda o fazem sentir vergonha (...), tem vergonha dos seus próprios parentes, da vitalidade obscena e transbordante de Jean-Baptiste, e de si mesmo, que traz no peito um coração mole e cheio de trevas. Vê a irmã dançar nos braços de André. As crianças correm por entre as mesas cambaias. Ange-Marie Ordioni dá ao filho a chupar um dedo que mergulhou no seu copo de rosé. Marcel ouve os risos e as notas desafinadas do acordeão, a voz tonitruante de Jean-Baptiste. Senta-se ao sol ao pé da mãe, que lhe pega na mão e abana tristemente a cabeça. Só ela parece não se alegrar ao ver a vida recomeçar. Como podia a vida recomeçar se ainda não começou?"

2 comentários:

curtos instantes disse...

Vai para o topo da lista :)

Madame Bovary disse...

Lê-se num instante curto :)