sábado, 23 de maio de 2015

Jakob von Gunten


“Muitas vezes saio para a rua e tenho então a sensação de viver num conto de fadas selvagem. Tudo puxa e empurra, tudo trepida e palpita. Tudo grita, martels, vibra e zumbe. E tudo num espaço cercado (…). O que é nobre caminha lado com o que é baixo e mau, as pessoas vão, não se sabe para onde, e eis que regressam, e são já outras pessoas e não se sabe de onde vêm. Pensamos poder adivinhar a sua origem e dá-nos prazer o esforço de a decifrar. E o sol brilha sobre tudo. Ilumina o nariz a um, a outro a ponta do pé. As rendas das saias brilham numa confusão dos sentidos. No colo de velhas, distintas senhoras, cãezinhos vão de passeio em carros. Peitos aproximam-se em contramão, peitos de mulher apertados em vestidos e corpetes. E depois também muitos e estúpidos charutos em muitas pregas de bocas masculinas. E sonhamos com ruas nunca imaginadas, novas e invisíveis regiões que fervilham também de gente. Entre as seis e as oito da tarde o movimento humano tem o seu momento mais gracioso e concentrado. É quando sai a passeio a melhor sociedade. O que somos nós, na verdade, no meio deste rio, desta colorida corrente humana que nunca quer acabar? Por vezes, todos estes rostos em movimento ganham um brilho rubro, pintados pela cor do sol poente. E quando o céu está cinzento e chove? Então todas estas figuras, e eu com elas, caminham apressadamente sob a gaze opaca, como figuras de um sonho à procura de alguma coisa, mas sem nunca encontrar, parece, o que é belo e certo. Todos aqui procuram alguma coisa, todos anseiam por riquezas e fortunas fabulosas. Sempre com pressa. Não, sabem dominar-se em tudo, mas a pressa, a ânsia, o tormento e a inquietude brilham em lampejos nos olhos ávidos. E depois é tudo de novo banhado pelo sol quente do meio-dia. Tudo parece dormir, mesmo os carros, os cavalos, as rodas, os ruídos. E as pessoas olham sem consciência. Os prédios altos, aparentemente em queda, parecem sonhar. Raparigas passam apressadas, embrulhos são transportados. Gostaríamos de abraçar alguém. Quando volto para casa, encontro Kraus sentado à espera, que me recebe com sarcasmos. Digo-lhe que sempre temos de conhecer um pouco do mundo. «Conhecer o mundo?» diz ele, absorto em profundos pensamentos. E sorri com desprezo.

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