domingo, 22 de julho de 2018

Conheci Jericó,




             *

Uma harmonia ressoa-me nas veias,
então como Dafne
transmudo-me numa árvore alta,
Apolo, porque tu não me deténs.
Mas sou uma Dafne
cega pela fumo da loucura,
não tenho folhas nem flores;
porém quando me transmigro
nasce profunda a luz
e na solidão arbórea
converto uma tríade de Deuses.

*

As virilhas são a força da alma,
tácita, obscura,
um rebento de folhas
de onde sai a semente do viver.
As virilhas são tormento,
são poesia e paranóia,
delírio de homens.
Perder-se na selva dos sentidos,
alcatroar a alma com veneno,
mas das virilhas pode brotar Deus
e Santo Agostinho e Abelardo,
então a mistura das vozes
descerá até às nossas carnes
para nos arrancar o gemido obscuro
dos nascimentos ultraterrestres.

*

Eu era um pássaro
com o branco ventre gentil
alguém me cortou a garganta
            para se rir,
            não sei.
Eu era um grande albatroz
e pairava sobre os mares.
Alguém deteve a minha viagem,
sem qualquer caridade de som.
Mas mesmo estendida no chão
eu canto agora para ti
as minhas canções de amor.

*

Todas as manhãs o meu caule desejaria elevar-se no vento
soprado embriaguez de vida,
mas algo o mantém preso à terra,
uma longa e pesada corrente de angústia
que não se dissolve.
Levanto-me então da cama
e procuro um painel de vento
e encontro um quadrado de sol
onde apoio os pés descalços.
Desta secreta graça
não terei depois memória
porque a doença também tem um sentido
uma desmesura, um passo,
a doença também é matriz de vida.
Cá estou eu de joelhos
esperando que um anjo me toque
ao de leve, com graça,
e entretanto acaricio os meus pés pálidos
com dedos desejosos de amor.

*

As dunas do canto fecharam-se,
            ó maldita magia do universo,
que tudo pode sobre uma débil esfera.
            Não venhas então para o meu passado,
não abrirás estuários impetuosos,
            chagas latentes, acessos
às escadas que rolando se dão
            para a balaustrada do declínio;
            fica, poderias até ser Orfeu
que me vem resgatar ao nada,
            fica, meu ousado e sumo cavaleiro,
            a luz faz-me sofrer, na sombra
sou rainha mas lá fora no mundo
            poderia estar morta e tu sabes
que desordem se apodera de mim
quando vejo uma árvore segura.

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