quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

UMA NOITE ENTRE OS CAVALOS



Encontrei mais um livro para endurecer o meu coração com a Beleza: Uma Noite entre os Cavalos de Djuna Barnes.


«- A vida – disse ela – é porca; e assustadora também. Há nela de tudo: crime, sofrimento, beleza, doença… morte. Sabias?
A miúda respondeu: - Sabia.
- E como é que sabes?
A miúda voltou a responder: - Não sei.
- Como vês – continuou Madame von Bartmann – não sabes nada! Tens de aprender tudo, e depois começar. Tens de ter uma grande compreensão, ou darás uma queda. Os cavalos tiram-te rapidamente do perigo; os comboios fazem-te voltar a ele. As pinturas dão um choque mortal ao coração… ficam penduradas por cima de um homem de quem gostaste e talvez tenha sido assassinado na cama. As flores fazem do coração um túmulo porque há dentro delas uma criança sepultada. A música incita ao terror da repetição. Os cruzamentos das estradas são os votos dos amantes; e as tabernas para os ladrões. A contemplação leva ao preconceito; e as camas são campos onde os bebés travam uma batalha perdida. Sabias tudo isto?
Nenhuma resposta chegou do escuro.
- O homem apodrece logo à partida - continuou Madame von Bartmann. – Apodrecido de virtude e vício. Ambos o filam pela garganta e o reduzem a nada; e Deus é a luz que o insecto mortal acende para uso próprio e com ela morrer. Isto é muito sensato, mas não deve equivocar-nos. Não quero que olhes do alto para uma puta qualquer de uma rua qualquer; reza, cai na lama, e desiste, mas sem preconceitos. Um assassino pode ter menos preconceitos do que um santo; mas às vezes mais vale ser santo. Não sintas orgulho com a tua indiferença, se caíres nas garras da indiferença; e não te enganes – disse ela – sobre o valor das tuas paixões; não passam do condimento de todo este horror. Gostaria... – Não terminou o que ia dizer mas tirou calmamente o lenço de bolso e enxugou os olhos em silêncio.
- De quê? – A voz da miúda saía das trevas.
Madame von Bartmann tremia. – Estás a pensar? – perguntou.
- Não – respondeu a miúda.
- Então pensa – disse Madame von Bartmann com uma voz forte, voltando-se para ela. – Pensa em tudo, o bom, o mau, o indiferente; em tudo, e faz tudo, tudo! Antes de morrer, tenta saber o que és. E – disse ela, inclinando a cabeça para trás e engolindo em seco, com os olhos fechados – quando fores uma boa mulher vem ter comigo.»


Irei, Madame von Bartmann.

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