sábado, 23 de maio de 2015

Getting the blues

Lendo o Rayuela, com o sol derramado sobre a cama, chego à conclusão que os dias de praia são algo definitivamente sobrestimado. 

Em plena satisfação precária, em plena falsa trégua, estendi a mão e toquei no novelo de Paris, na sua matéria infinita enrolando-se sobre si mesma, no magma do ar e daquilo que se desenhava na janela, nuvens e águas-furtadas; nessas alturas não havia desordem, o mundo continuava a ser algo petrificado e estabelecido, um jogo de elementos a rodarem nas suas dobradiças, uma meada de ruas, árvores, nomes e meses. Não havia uma desordem que abrisse as portas ao resgate, havia somente sujidade e miséria, copos com restos de cerveja, meias a um canto, uma cama que cheirava a sexo e a cabelos, uma mulher que passava a sua mão fina e transparente pelas minhas coxas, retardando a carícia que me arrancaria por uns instantes dessa vigilância do grande vazio. Demasiadotarde, sempre, porque ainda que fizéssemos amor muitas vezes, a felicidade tinha que ser outra coisa, algo talvez mais triste do que essa paz e esse prazer, um ar como que de unicórnio ou de ilha, uma queda interminável na imobilidade. A Maga não sabia que os meus beijos eram como olhos que começavam a abrir-se para lá dela e que eu andava como que saído, concentrado noutra figura do mundo, piloto vertiginoso de uma proa negra qye cortava a água do tempo e a negava.

1 comentário:

Pedro disse...

É sempre bom ver uma cona de alto nível interessada pela leitura.

Já valeu a pena viver.