Para Maria Teresa Horta
Uma das tarefas diárias do poeta italiano Tonino Guerra era recortar dos jornais (Tonino diria resgatar) notícias insólitas de que ele seria, porventura, o único interessado; ou, então, colecionar aquelas imagens de mundos desconhecidos que, por vezes, para ocupar inesperados vazios ou por pura desatenção, os editores deixam passar; bem como uma infinidade de pequenos textos sobre camponeses e estrelas cadentes, sobre curiosidades linguísticas e tesouros descobertos em barcos afundados; sobre tradições populares ou a migração silenciosa que algumas espécies animais realizam entre estações. Eram ninharias assim, completamente inúteis e inatuais, que ele juntava com o despropósito de um detetive ocioso, apostado em resolver um quebra-cabeças que sabia, à partida, sem solução. Mas depois, quando nos filmes de Antonioni, Fellini, Tarkovsky, ou Theo Angelopoulos, em que ele colaborou na escrita dos argumentos, vemos vestígios desta sua atividade quotidiana, quedamo-nos maravilhados. Se nos dissessem que ele recolhera aquelas informações dos mesmos cinzentíssimos jornais que folheámos teríamos dificuldade em acreditar. Colocados ali, ganhavam uma intensidade expressiva flagrante, distinta, incrivelmente precisa e íntima.
(excerto da crónica "A mais antiga flor do mundo" de José Tolentino Mendonça, publicada na revista E a 15 de Maio de 2019)
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