sábado, 24 de outubro de 2020

O horror e a graça de andarmos todos ligados

 


Este foi um dos livros que mais prazer me trouxe em 2018. AS ROTAS DA SEDA conta-nos como, através das rotas comerciais da seda, que ligavam o Ocidente ao Oriente, se trocaram também línguas, ideias, doenças, as religiões do mundo – ou seja, como a infecção desse grande movimento de globalização é mais remota do que se pode pensar. Através da enorme erudição de Peter Frankopan e da sua visão alternativa da história, recebemos várias lições de humildade: a primeira, será a de que essa velha Europa, só nos últimos séculos se tornou um agente representativo da mesma história, tendo o seu papel sido nulo durante tempos mais remotos; e a maior de todas, será perceber que os conceitos com que ainda hoje laboramos – tais como os de nação, povo, raça – são extremamente artificiais. Entre muitos detalhes – como, por exemplo, descobrimos que a palavra «escravo» se relaciona na sua origem com a palavra «eslavo», pois o «império árabe» (chamemo-lo assim, para abreviar) preferia escravos louros dessa região; ou saber que chamamos «russos» aos povos que vivem na Rússia, por estes serem ruivos vikings que extinguiram os povos indígenas dessa zona geográfica – chegamos à conclusão que o que constitui toda a civilização humana é a violência perpétua de uns contra outros. A ser assim, complexifica-se e muito a questão da indemnização histórica – sendo cada «nação» formada a partir de múltiplos sacrifícios e extermínios, não existe pureza de raça nem uma genealogia pura que permita isolar os vencidos dos vencedores – pois todos os que restam são vencedores e como tal culpados ao mais alto grau.

Em suma, é um livro de história – uma história mais longa do que essa versão amputada que a modernidade capitalista tratou de reescrever – mas lê-se como uma poema épico sobre a humanidade e a sua violência inerente e estrutural, que atravessa todos os povos, raças e credos, de forma muitas vezes aleatória.

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